quinta-feira, 31 de maio de 2007

Cinema no meu bairro


Espero por ele todos os anos desde que o Sado se tornou a minha casa. Aqui encontrei num cinema de bairro um festival de cinema internacional, o que concretiza de modo singular a ideia do local-global que devia presidir ao modo como podemos estar hoje no mundo. Agrada-me esta ideia de que encontro na esquina da cidade um olhar artístico que nasceu num outro canto do planeta. Dez dias de intensa viagem.
~CC~

Vem, vamos dar um passeio...

Conversar um pouco...
ver o mar ou o rio...
deixar a corrente ditar o destino...

quarta-feira, 30 de maio de 2007

AGT design

- Pai, tenho um novo blogue....
- Outro? Já acabaste o anterior? Não admite mais do que 6 posts?
- Este agora é só dedicado ao design...
- Boa, temos artista!

E também por dentro da greve...

Ainda espreitando a vizinhança...para saber o que e como pensam o dia de hoje.
~CC~

na vizinhaça da greve

Ela é normalmente calada, tirando cafés de olhos no chão, com um sorriso raro. O café embora fique na esquina (e por seja um apelo para quem, como eu, veio também à procura do calor que mora na palavra vizinhos) cria distância(s). Mas hoje acho que ela olhou para mim pela primeira vez e abriu o rosto num franco sorriso:

- Então, hoje não foi trabalhar, está em greve...?!(e sorria, e sorria...)

Não conseguiria explicar-lhe a dissonância da minha vida, o ritmo que bate a contratempo, a descontinuidade das horas. Como dizer-lhe, por exemplo, que um dia abandonei pelo meu próprio pé essa verdadeira crença na estabilidade do emprego na função pública, deixando para o vínculo, substituido por coisa nenhuma, ou antes pela ideia do gosto, do prazer, da vida construída a cada dia que passa. Dizer-lhe que embora me arrependa muitas vezes de o ter feito (sobretudo porque quando não conseguimos conjugar a palavra futuro, há coisas que não se podem sonhar e isso só aprendi depois) há muitas outras em que não me arrependo. Nada disto devia ser assim e tudo devia ser uma outra coisa, uma outra relação com o trabalho.

Agora que ela me sorria, não a queria desiludir, vendo nos seus olhos a importância da adesão à greve, murmurei uma imprecisão precisa: já sabe os números?

- Aqui não se ouve passar nenhum comboio! E vem tanta gente por aí a passear...mas sabe os motoristas é que são importantes, esses se quisessem paravam o país!
(não lhe conhecia o sorriso, quanto mais estas análises sociais, este gosto pela política...)

Desejei-lhe bom dia e bons números e senti-me feliz porque o café tinha ficado a uma distância menor.
~CC~


PS- Bom, agora que neste lugar que ninguém lê, só aparece a CC, ainda se dão menos garantias de qualidade...que será feito dos meus camaradas?(isto hoje fica bem...)

terça-feira, 29 de maio de 2007

Prova dos nove de M de amor

...................
Tu e eu
..................
~CC~

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Guarda-rios e estuários (II)


Eu fiz parte dos Almar. Era uma tribo simples cuja função era cuidar de que os rios chegassem sempre ao mar. Era necessário saber que nenhum obstáculo impedia de forma definitiva esse caminho. Admitiam-se os açudes e desconfiava-se das barragens, pelo receio que o desvio do curso da água e a sua retenção impedisse a união necessária das espécies e a fusão do doce com o salgado.
Viviam todos nas proximidades dos estuários, em grandes tendas de lona azul. Os olhos, de cor indistinta, eram líquidos e os cabelos eram quase vermelhos por causa das cores de tingir os panos. As mulheres ocupavam muito do seu tempo neste ofício de tirar o branco dos tecidos e depois vendiam-nos como tapetes de flores nas feiras mais próximas. Eu fui uma criança Almar mas já não cheguei a ser uma mulher Almar. No entanto, continuo a procurar em segredo o curso das linhas azuis nos mapas do futuro. Tenho também ainda o triângulo desenhado com a seiva das árvores.
(talvez continue...)
~CC~

domingo, 27 de maio de 2007

guarda-rios e estuários (I)

Guardei-te no instante em que te vi.
~CC~

Pelos meus passos


Pelos meus passos e pelas minhas contas somos agora menos. Ano a ano, cada seminário de análise das primeiras experiências de trabalho dos professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, despe-se mais. Mas as palavras dos que participam são cada vez mais ricas e mais intensas. É um paradoxo perceber que estamos a fazer programas cada vez melhores e que eles chamam menos gente. É também um paradoxo que os elogios maiores ao nosso empenho se situem fora e não dentro. Eu não sei o que andam as pessoas a fazer. Eu já não sei o que as chama, o que as traz. Seria triste se dentro disto não morasse a imensa alegria dos que estão presentes. Seria triste se as viagens que se proporcionaram não trouxessem com elas tantos saberes, tanta cumplicidade.
Cada vez as palavras "vale a pena" se me enrolam mais na garganta mas escondo-as dentro de mim para que eles não percebam, com eles eu brindo (e muitos foram os brindes...) e digo: os que estão são os que contam e esses são muito importantes. E guardo Miguel Torga.

INSTRUÇÃO PRIMÁRIA

Não saibas: imagina...
Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.
Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...
Vou pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...

MIGUEL TORGA, Diário IX, Coimbra, 1995, p. 904.


Dois agradecimentos muito especiais: um ao rapaz das flores virtuais e outro ao rapaz das flores reais.

~CC~

Outros desertos

"Dizem que o deserto é como o corpo de uma mulher, mas Joseph não sabe porquê. Pensa que gostaria de conhecer o deserto e, em abstracto, que ficaria no deserto para sempre, a deslocar-se com as tribos, sem fazer perguntas, seguindo-as e confiando na sua sabedoria milenar. E talvez, talvez se aprendesse depressa, pudesse um dia de manhã, antes do romper do sol, seguir o seu próprio trilho, entregando-se àquele corpo de mulher que é o deserto, descobrindo-o, respeitando-o, intuindo-o... e aperfeiçoar a alma de nómada."
(Fátima Pombo, O Bairro dos Poetas, Teorema, 2007)

sábado, 26 de maio de 2007

"L’air du temps"?

Niki de Saint-Phalle
Châtelet-Les Halles, Place Igor Stravinski

Seja! Mas hoje venho aqui para destoar.
As instituições educativas em geral e as de ensino superior em particular andam, umas revoltadas, outras agitadas. Arrumam-se pessoas como se arrumam cadeiras depois de uma reunião. A troca, o diálogo rareiam cada vez mais. Identidades – por vezes, duramente – construídas e afirmadas são postas em causa, ignoradas, esquecidas.

Ontem, já noite, fui, como todos os colegas de , destinatária de um convite para participar na apresentação da nova estratégia institucional e dos respectivos logótipos. Andam animados nestes festejos mas sem que isso traduza grande dinâmica interna, pontes, aproximações, enfim daquilo que pode, de facto, traduzir a construção de uma verdadeira identidade institucional, em que cada um se reveja e em que cujas actividades sejam um real contributo para essa construção e manutenção .

Até aqui, tudo aceitável mesmo que não se goste. Mas ao ler o resto do convite comecei a ficar gradualmente incomodada. Não sei se era o tom do discurso, ou mesmo o “cheiro” que dele exalava.

Estaquei quando li «O “reforço da identidade IPS e a construção de uma imagem comum forte, moderna e clara no que respeita aos objectivos da instituição e aos seus traços distintivos” é um dos objectivos consignados no Plano». A imagem comum forte, moderna e clara, assim enunciada não sei o que é. Aliás, moderna tem hoje um ar démodé, para não dizer mais.

Mas foi com alguma incredulidade que li a frase seguinte «prevendo-se a “criação de um novo logótipo e um Manual de Identidade Corporativa comum às Unidades Orgânicas”». Não consigo sequer conceber como é que uma instituição que diz querer ser moderna possa criar e vir a público apresentar tal “objecto” - Manual de Identidade Corporativa - com uma designação de tal modo, anacrónica e bafienta.

O meu espírito é, então, atravessado por angústias diversas. Penso, para me tranquilizar (só superficialmente) que é só uma designação. Mas, mesmo não tendo medo das palavras, sei que os significados são o que são e também aprendi, acho que com P. Bourdieu, que “a classificação classifica o classificador”...

Nos tempos que correm não me parece que esta designação seja inócua e não intencional. Nos tempos que correm lamento que às vezes não sejamos mais activos. Nos tempos que correm acode-me ao espírito cada vez com mais frequência o poema de B. Brecht:

Nada é impossível de mudar

Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.

Bom fim-de-semana
PS: Também sei que estas modernices made in USA têm de ser importadas com moderação e que Corporation não tem exactamente o mesmo significado aqui e lá.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Da espuma dos dias à identidade encontrada.

Normalmente a espuma dos dias não me afecta. Vejo estas notícias sobre a formação do engenheiro ministro ou sobre a suspensão do professor humorista a uma considerável distância, nunca pensando nelas em si mesmas, mas sim nas razões pela quais elas se tornam notícia. Tento às vezes prestar-lhes atenção, atribuir-lhes importância, concentrando-me na ideia de que se toda a gente fala destes assuntos é porque eles devem, apesar de tudo, ter algum significado. Não são superficiais, não são maquinações de bastidores, não são manobras de divertimento. Mas o vento leva-os de mim para o lugar do quase nada.
Desta vez aconteceu-me uma coisa diferente. O discurso do ministro contribuiu para a minha identidade que sempre conheci como difusa e sem terra. Apetece-me agradecer-lhe. Dizer-lhe que por causa dele senti-me ave migratória de Rio Frio. Senti-me jovem na EB 2, 3 do Poceirão. Senti-me caramelo e caramela. Senti-me margem sul e achei linda a conjugação das palavras, até pensei deixar de assinar CC e passar para MS.
~~~~~~~~~~
De repente é bom ter identidade, ser sul.
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
~CC~
PS- E como morei anos e anos na Portela de Sacavém e sei como é ter aviões à janela, não posso deixar de sentir alegria por estar tão perto do Poceirão.

Bom dia

Bom dia.
Que tal uma viagem ao fundo do mar?
Vens por um dos meus braços e enches os teus olhos das cores dos peixes que vivem nas águas mais frias.
Que tal uma viagem ao fundo do mar?
~CC~
PS- Este é o polvo dos meninos da escola S. da Arrentela que se transformou em vida para a história da menina do mar.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

A propósito de felicidade

Niki de Saint-Phalle
"Nana Lampe" - 1995.
Polyester stratifié 98 x 55 x 37 cm

Num dos jornais da semana passada (já não me lembro qual) li um artigo sobre os povos mais e menos felizes da Europa. Os portugueses contavam-se entre os menos. A esse propósito aqui fica uma outra abordagem da "questão":

Soma

Não discuto se sou feliz ou não.
Mas de uma coisa faço por lembrar-me sempre:
de tantas e tantas parcelas, não sou
uma delas. Eu nunca fui contado
para a soma total. Esta alegria basta.

(Constantin Cavafy, 90 e Mais Quatro Poemas, Coimbra, Centelha, 1986
Trad. Jorge de Sena)

Ainda Braga...

O mundo às bolinhas de cores

É assim que elas vêem o mundo e a vida. As meninas.
Era bom que conseguíssemos sempre acompanhá-las nesta visão, e também que esta visão as não desacompanhasse ao longo da vida.
Vamos acreditar que pode ser assim.

M de amor

chegou a meio da tarde a mensagem multimédia, inesperada no conjunto mais vasto e mais vulgar de sms e foi uma surpresa dada a preocupação constante que tem com os gastos. Tinha a fotografia de um desenho feito com o seu lápis e uma frase curta: somos nós duas. Se o coração pode saltar e molhar de sorriso os olhos, lá se foi o meu.

~CC~

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Aprender com a(s) experiência(s)

Ao longo de toda a minha(s) vida(s) profissional(is) muitos têm sido os momentos de paixão profunda cortados de quando em quando com algum desalento. Mas posso dizer que o que a caracteriza mais é a interrogação: as perguntas sobre o sentido e o resultado do que fazemos.

Ao longo destes tempos na formação inicial de professores, psicólogos e animadores fui constatando que não há preparação suficiente nem nunca haverá para enfrentar a vida profissional. O que se constrói são os alicerces, facultam-se as ferramentas, cimentam-se meia dúzia de competências e, sobretudo, fomenta-se o gosto pela necessidade de voar. Depois é a vida que nos ensina tudo, caso sejamos capazes de aprender. Mas para que ela nos ensine é preciso que pensemos sobre ela, que a reflexão se integre no respirar de cada dia. E é muito melhor pensar acompanhado para que os espelhos não se gastem nas miragens sucessivas, sem que outro olhar que não o nosso nos seja devolvido.
Os primeiros anos que são decisivos pela forma como nos socializamos na profissão, como fazemos as primeiras opções e enfrentamos as dificuldades. A nossa principal tarefa, de formadores, devia ser a de estar nesses primeiros anos, estarmos com quem quisesse, numa óptica já diferente em que não há professores e alunos, há mais e menos experientes, há diálogo livre de teias.
Tenho procurado fazê-lo, ainda que de forma muito deficiente, inacabada e pouco profunda. Sábado mais uma vez: Aprender com as primeiras experiências III.
Este rio é também um rio de afectos, mesmo que sinta o seu correr tão solitário, tão despido de mais vozes e mais rostos. Quem sabe pode ser que um dia se juntem outros rios e possamos correr juntos.
E neste caminho, estará sempre a rapariga com nome de flor que comigo iniciou este percurso e hoje caminha por aí algures numa outra batalha. Trabalhar contigo era um prazer.
~CC~
PS- Obrigado Madalena, Eunice, Célia, Isa, Viviana, Alberto e Cristina.

terça-feira, 22 de maio de 2007

casas e vidas do rio


Fiz-e pó, fiz-me ar, fiz-me abelha
e fiquei parada no silêncio
à espera de (te) vos ver chegar
imaginava que traziam ainda nos olhos as cores de pintar
fiz-me vento por ter de ir
no desejo imenso que toda a minha vida fosse só arte de ver e de escutar
e desenhar biogramas
~CC~

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Amigos on-line

Chegam-nos por um fio invisível e ficam na nossa vida mesmo que de forma ténue a alimentar cumplicidades em torno do mundo. Já não basta ler o jornal, já não basta ler livros, é preciso ler as suas janelas. Quando fazem anos, temos por eles carinho como se morassem ao nosso lado. Ou será que moram mesmo?
Simples, como o Sebastião era, subindo a serra e dormindo na praia com os pescadores, o poema mais singelo que conheço como homenagem ao dia de nascer. Deixo o poema a um rapaz que conheço de há muito tempo, mesmo que o rosto já se tenha perdido no pó do tempo. E ainda a uma rapariga que nem em sombras consigo desenhar mas que escreve também em linhas com palavras belas.

Pequeno poema

Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve Estrelas a mais...

Somente, esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo se não eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
bastava toda a ternura
que olhava nos olhos de minha Mãe...

Sebastião da Gama

~CC~

domingo, 20 de maio de 2007

Fantasia com chuva

As personagens são as mesmas do vento. Só o cenário mudou. Chove. A chuva irrita-me sempre, é como se o céu chorasse sobre nós. Mas a miniatura C. ainda tem os olhos límpidos como as manhãs de Primavera.

Mãe: Bolas! Agora está a chover, não podemos ir ao Príncipe Real.

C.: Oh mãe, não é chuva.

M.: Então o que é?

C.: São pingas de lamber.

colar(me) esperança



Penso na esperança, penso em agarrar-me a ela, deixá-la colada a mim, penso no que ela é:


ir ao mar deitar os olhos, esfregá-los com as algas para enxaguar a tristeza que neles mora.

acreditar que há nas mãos a força capaz de tirar da terra os frutos que dentro

dela são apenas sementes.

lume que torna as noites escuras lavadas por manhãs claras.

abraço doce em tempo de nevoeiro.

corpos que encontram rumo.

pessoas bonitas que voam como anjos sem asas.


~CC~


sábado, 19 de maio de 2007

Já chegaram...

Todos os anos esperamos por eles, como se a cidade não fosse a mesma antes da sua chegada. Pinta-se de lilás a ganha uma auréola de luz como se o céu a beijasse assim, de pertinho e se deixasse acolher por ela, lânguido e enamorado.

Todos os anos fazemos o mesmo desafio: quem vir primeiro avisa as outras e assim que os encontramos ficamos presas àquela cor que enfeita a cidade, como se fosse uma coroa.

Mas este ano chegaram cedo de mais, ainda estamos em Maio e as ruas já estão atapetadas de flores. Não que não sejam benvindos, mas a sua vinda adiantada revela-nos que o mundo anda mal e que o calor excessivo, efeito do aquecimento global, lhes torna insuportável a espera.

Este ano foi a minha P. que os viu lá por Setúbal e "atirou" primeiro: já viste os jacarandás?

Contrastes

Acabo de chegar de uma linda cidade com alguns contrastes... Encontrei por lá gente amiga que me disse que passa por aqui, embora sem ler nem deixar rasto.... Também elas utilizam os blogues para nos contarem o que fazem os seus Magníficos. Sejam sempre bem-vindas!

~~CC~~ O beijo à amiga com nome de flor foi entregue!

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Na boca do vento

Às vezes a vida é um privilégio. No ofício da jardinagem é preciso seguir as flores até aos lugares onde podem desabrochar e não só elas nos surpreendem mostrando-se melhor, muito melhor do que o botão deixava adivinhar, como ainda nos trazem elevadores que vivem na boca do vento.
Começar a manhã numa varanda em que os pinheiros se enrolam nas flores e o azul do rio nos entra todo por dentro, a apanhar e a secar a tristeza da alma.
...................................
E se antes os museus eram espaços onde o cinzento tanto espreitava, enchem-se agora de cores com as histórias contadas, as conversas entre os meninos e as animadoras, as pinturas e as danças cheias de gestos e de ritmo. A nau catrineta que tem muito que contar...
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" - Porque é que eles queriam comer o capitão?"
" - Porque ele era o mais mau de todos da nau"
" - Quem é o pai da sereia?"
"- A sereia não tem pai, ou melhor, o pai dela é a nossa imaginação".
-" A nau catrineta é como o Titanic?"
Risos, tantos risos baixinhos, contidos mas alegres.
..............................................................
E da parede trouxe o verso:
" Puro, suave e rico tejo
com as côncavas barcas que nadando
vão pondo em doce efeito o seu desejo
umas com brando vento navegando
outras com leves ramos brandamente
as cristalinas águas cantando."
Luís de Camões
....................
~CC~

Fantasia com vento

Seis da tarde, descemos a Rua das Amoreiras. Está calor e o vento levanta-se revolto. Deve ser para afastar o calor. Ela vai pela minha mão para irmos buscar a irmã à escola. E conversa assim:
C. (três anos e meio): Gosto muito do vento, e tu mãe?
Mãe: Quando é muito forte não gosto muito porque me enerva.
C. : E já alguma vez tentaste agarrá-lo?
M.: Já, mas é um pouco difícil porque ele não gosta de ser agarrado.
C.: Mas eu consigo (pausa). Com a minha língua.
M.: Ah sim? E como é que fazes isso?
C.: Ponho a língua de fora e o vento fica lá colado. Experimenta lá.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

rumos

Se o pássaro ainda pequenino não vivesse ainda ali junto ao calor das minhas penas, eu apanhava uma rota de aves migratórias em direcção a um outro lugar. E imagino as lagoas quase desertas onde o meu coração poderia bater leve e fresco as horas dos dias e mergulhar nas estrelas nas noites quentes. Era mesmo necessário voar, era esse o compromisso.

~CC~

Sentidos desatados

Desataram-se-me os sentidos esta manhã. Calor, céu azul, luz transparente o verde do chão e o branco das colunas destes claustros. Uma vontade irreprimível de estar com os amigos, com os amores, com os que têm mundos próximos dos meus. Talvez porque Satie faz anos. Talvez porque me apeteceu reler Cavafy.

Desejos
Como corpos belos dos que morrem sem ter enve-
[lhecido
- e são guardados, em lágrimas, num mausoleu mag-
[nífico
com rosas na fronte e com jasmins aos pés -
assim os desejos são, desejos que esfriaram
sem serem consumados, sem que um só fruísse
uma noite de prazer, ou uma aurora que a lua inda
[ilumina.
Constantin Cavafy, 90 e mais quatro poemas, Coimbra, Centelha, 1986,
Trad. Jorge de Sena

17 de Maio de 1866

... seria assim: parabéns Mr. Satie
e obrigada por todas as poesias em estado musical que nos deixou.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

301

Nos dias de maratona acordo já a correr, saltando do insconsciente feito de pólen dos sonhos para os 301 obstáculos e quando dou conta já estou a meio da ponte Vasco da Gama. É nessa ponte que qualquer corrida deve valer a pena, sobretudo se em marcha lenta para namorar os flamingos.

Falava do pólen pois, é que no meio da corrida de ontem ou na de hoje ou até mesmo na que farei amanhã, há minutos e minutos de paragem feliz. Não, não é a parte em que corto a fita e recebo o sumo e a sandes. É quando chego perto do interior das flores. É quando me saltam letras para os olhos sem que as consiga tirar, como acontece com as 3 noites, 3 filmes de debates sobre a emigração portuguesa em França, não só pela qualidade e originalidade do acontecimento, como pelo folheto e pela beleza da fotografia que o ilustra, impossível hoje de reproduzir aqui. E é ainda quando compro livros em línguas que não compreendo como aconteceu na livraria do instituto, não só pela irracionalidade que acompanha o meu viver, como pela fantasia de pensar que um dia vou acordar a falar Francês. As corridas são atravessadas ainda por momentos de namoro intenso, como aconteceu hoje com um polvo em cartão, pendurado na sala dos meninos da Arrentela. Eu acho mal que tenham polvos malendrecos deste tipo na sala de aulas, ainda por cima com a desculpa que são inspirados na história da menina do mar. Tive que que lhe implorar que me deixasse continuar a maratona, mas no final da Ponte Vasco da Gama ainda ia a lembrar-me dele.

Amanhã deve aparecer-me um peixe estrela, uma exposição de sapatos usados (ai, sempre sonhei com uma exposição destas) ou um cometa feito de pó amarelo em passagem meu horizonte. Só espero que não apareça o gato do país da Alice porque tenho medo dele e é um medo muito e tão antigo que não consigo ultrapassar. Qualquer dia (quem sabe) faço uma careta ao gato e de seguida um sorriso ainda mais trocista que o dele.

~CC~

PS- sabem meus queridos amigos, eu só vinha dizer-vos que este post é o 301 desde que escrevemos onde ninguém lê, mas como a frase era muito curtinha, escrevi umas quantas parvoíces, pelas quais espero o vosso perdão.

Músicas e vozes e...

Talvez valha a pena espreitar ...

Ainda as flores!

"São rosas Senhor!"

Valeu mesmo a pena esta manhã, passada com os meus alunos, futuros professores de Música, no Fórum Luisa Todi em Setúbal. Conceberam, produziram, encenaram e representaram um espectáculo musical para crianças dos 1º e 2º ciclos de escolaridade, baseado na história conhecida de D.Dinis e D. Isabel.
Aqui não importa o leit motiv, porque aquilo de que quero falar poderia ser a propósito de uma história de reis ou de outra coisa qualquer. Emocionei-me até às lágrimas ao vê-los tão empenhados em dar o seu melhor, tão entusiasmados com aquela festa, tão seguros de estarem a fazer bem o que tinham para fazer. As vozes no sítio, as emoções a compasso, as tiradas que fizeram rir uma plateia cheia de crianças pequeninas que se interrogavam sobre se os bigodes seriam de chocolate e se elas (as aias) eram mesmo princesas.
Foi boa a partilha final, a surpresa por me verem lá com as minhas filhas e eu fiquei a pensar com uma convicção quase profunda: é a pessoas assim que podemos confiar parte da futura educação dos nossos filhos. Pena é que possam vir a perder-se pelo caminho levados pelo pessimismo, pelas agressões de uma profissão difícil. Mas quero acreditar que esta boa luz não há-de perecer assim com tanta facilidade, quero acreditar que esta energia é mesmo "renovável".

terça-feira, 15 de maio de 2007

Conversa entre malmequeres


- Quero morrer contigo.
- Mas ainda agora nascemos, talvez a vida fosse a nossa melhor aspiração.
- Mas para viver preciso saber que estás ao meu lado.
- Toca mas minhas pétalas na próxima hora, repara em mim neste minuto, beija-me neste segundo.
- Achas que não nos entendermos é o nosso destino?
- Talvez, temos sete dias de não entendimento pela frente. Contados em dias, horas, minutos e segundos dá uma boa média de beijos, superior à das lágrimas, parece-me. Que achas?

~CC~

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Comércio envergonhado

Foto EA

fui no fim-de-semana como tinha prometido à CC e, mais uma vez, tive uma sensação estranha que me assalta de cada vez que me aproximo destas iniciativas. Como se houvesse qualquer coisa de não assumido ou de dificilmente assumido nestas "transacções" que se querem justas, equitativas. A mim pareceu-me sobretudo envergonhado, triste mesmo.

Demos uma voltinha pelo que se podia comprar, pelo meio de umas bancas, poucas, encavalitadas, com meia dúzia de coisas (algumas lindas e que davam vontade de comprar), mas com uns vendedores tão pouco entusiasmados, que facilmente nos sentimos transportados para os cenários difíceis em que são produzidos os objectos postos à venda. Não que devamos esquecê-los, ou ignorá-los, mas a visão miserabilista que ali era dada rapidamente deixou que se instalasse um sentimento de "quase culpa" por estarmos nós, "os ricos", ali a comprar o que eles, "os pobres", tinham feito pelo mundo fora.
São certamente positivas e moralmente exigíveis, todas as iniciativas que ajudam a denunciar a exploração, a miséria, a falta de escrúpulos, as condições de vida precárias e todo o rol de desgraças que já conhecemos (China Blue é um bom exemplo), mas é preciso desfraldar outras bandeiras. A da dignidade, a destas forças positivas, a da solidariedade, a da alegria possível, etc.
No meio do programa anunciavam também "jogos do mundo" dirigidos a crianças entre os 4 e os 11 anos, entusiasmei-me e entusiasmei a minha filha de 9 anos, porque iríamos ver o que/como outras crianças do mundo ocupavam o seu tempo. Seria enriquecedor sem dúvida, sobretudo para ela que gosta sempre de "espreitar" o que é diferente. Chegámos e encontrámos uma tenda pouco iluminada, com almofadas espalhadas pelo chão e 3 crianças aborrecidas com o que se passava - uma monitora fazia jogos de mímica à falta de melhor imaginação.

E foi perante tudo o que nos era "oferecido" que se insinuou com mais agudeza esta sensação de que o comérico justo é, ainda, um comércio envergonhado, como se não se concedessem o direito de ser alegres, de fazer a festa de uma forma digna. Como se a justeza não merecesse ser celebrada. Como se se sentissem uma espécie de "vendilhões do/no templo". Podiam ao menos ter aproveitado a boa luz da estrela do jardim.
Ou então sou eu que tenho uma visão pouco (a)justa(da)...

Provas

Também eu, que não vou estar presente para bater palmas, quero deixar aqui uma flor para esse alguém tão especial para a ~CC~. Até porque: os amigos dos nossos amigos, nossos amigos são!

Provas


Queria ter levado flores para acompanhar as palmas. Quando se perseguem os sonhos merecem-se sempre palmas, muitas palmas. É comovente a tua alegria no interior da dança. O meu parentesco contigo é este de tentar compreender os significados que dás as coisas. Cumplicidades ainda pequenas mas já doces. Palmas e flores para ti.

Amanhã também terei nas mãos as flores para ti, para aplaudir o modo como tiraste a palavra desistir do teu léxico pessoal e o encheste sempre de prosseguir, ir adiante, saltar obstáculos. Para sempre as nossas brincadeiras de irmãs em torno dos nossos cursos de (des)motivação ou lavagens da poção mágica da avidez do mundo com que crescemos. Tu ainda mais, és a mais velha. Em cada momento em que vacilámos e em que o escuro nos tomou, lá estavas, positiva e pragmática. Sabemos, no entanto, que também tens os teus pequenos quartos escuros mas guardados discretos, a sete chaves que são só tuas. Mas amanhã é mesmo a luz que importa. Palmas, flores e aquela alegria.
~CC~

domingo, 13 de maio de 2007

Regressos

Agora vou ali, num instante, acolher o que o céu tem para me devolver. Estou curiosa para saber se o desejo o trouxe nas suas asas e se me chega embrulhado em nuvens e enfeitado com fiozinhos de sol.
Bom domingo.

Ainda Benedetti

Para os meus amigos pessimistas

CHAU PESIMISMO

Ya sos mayor de edad
tengo que despedirte
pesimismo

años que te preparo el desayuno
que vigilo tu tos de mal agüero
y te tomo la fiebre
que trato de narrarte pormenores
del pasado mediato
convencerte de que en el fondo somos
gallardos y leales
y también que al mal tiempo buena cara

pero como si nada
seguís malhumorado arisco e insociable
y te repantigás en la avería
como si fuese una butaca pullman

se te ve la fruición por el malogro
tu viejo idilio con la mala sombra
tu manía de orar junto a las ruinas
tu goce ante el desastre inesperado
claro que voy a despedirte
no sé por qué no lo hice antes
será porque tenés tu propio método
de hacerte necesario
y a uno lo deja triste tu tristeza
amargo tu amargura
alarmista tu alarma

ya sé vas a decirme no hay motivos
para la euforia y las celebraciones
y claro cuandonó tenés razón

pero es tan boba tu razón tan obvia
tan remendada y remedada
tan igualita al pálpito
que enseguida se vuelve sinrazón

ya sos mayor de edad
chau pesimismo

y por favor andate despacito
sin despertar al monstruo

sábado, 12 de maio de 2007

Brincadeiras no jardim



Fotos de BSP



Lisboa


Esta tarde visitei o JPN e deixei-lhe um pedido antes de sair: que me desse a morada para chegar à porta da candidatura da Helena Roseta à Câmara de Lisboa. Ele não a tinha ali à mão mas deu-ma mais tarde. Quem estiver interessado em chegar lá pode ir por aqui.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

"Nove partes de desejo"


Li há dias estas linhas escritas em Coimbra e lembrei-me destas outras lidas há mais tempo. Vêm por ondas, as memórias, mas o sofrimento estará sempre lá.

Bom dia

Meia Praia

Vou ter contigo à tua terra. Tenho que na sombra que deixaste nas paredes brancas da cidade conseguirei encontrar o azul que deixaste na tua poesia. Onde a praia pode ser só meia e o acordar o enlaçar dos limos e o riso dos meninos. Onde quis quase sempre ficar, creio que muito por ti, pelo que de ti adivinhei sempre em cada esquina, em cada onda do mar, em cada lágrima e, é verdade, foram muitas. Mas tu choravas ao meu lado e amparavas o meu lamento como só os poetas mortos sabem fazer. E então eu pegava nas meninas todas, as que eram e não eram minhas e andava com elas pelas rochas, pelas conchas, por dentro da areia e arrancava de cada coisa a mesma força que eu acho que te sustentava. E de tanta força que tirei, conquistei mais e mais sol manso sobre a pele e com esse calor consegui trazer até mim o cavaleiro da dinamarca e a menina do mar. E quando reparei já não eram só eles, tinha a mesa cheia de amigos e era já a Primavera de um ano outro qualquer e eu ria como uma criança e tu gostavas do meu riso. E eu tinha aprendido a dizer "até breve" em cada despedida e chorava agora muito menos.
~CC~

quinta-feira, 10 de maio de 2007

(Desa)Sossegos

Estava para ali sem saber o que fazer aos sonhos que lhe atravessavam as noites e lhe enredavam os dias. Eram inesperados, os sonhos, e em cada amanhecer pensava que o olhar iluminado lhe poderia trair a rotina dos dias. Não que essa rotina lhe pesasse, mas não conseguia conciliá-la com os sonhos.
Falou com um amigo. Seria aquilo uma vida dupla? Que não, tranquilizou-o, aquilo era só um sinal da multiplicidade da vida. Que não se inquietasse. É que, dizia, a vida não podia estar exclusivamente contida no real quotidiano. Era diversa, múltipla e una ao mesmo tempo. Mas, ainda assim, podia procurar integrar na "rotina dos dias" uns pedacinhos dos sonhos, numa mescla que o ajudasse a cadenciar o passo entre a noite e o dia, entre o cá e o lá.
De olhos semicerrados tentou adormecer. Quem sabe, se ficasse assim, alerta, conseguiria levar a realidade para dentro dos sonhos.

Bom dia

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Uma vida


Não sei há quanto tempo vivo com este homem, um dia olhei para o lado e já não dormia sozinha.
Perdi também a conta aos Domingos em que saímos neste barco procurando outro sustento que não o que vem da terra. Vamos cedo e esperamos que a maré encha para sermos os primeiros a sair.

É Domingo eu sei, mas nós não sabemos o que é o trabalho e o que é o descanso porque este trabalho é o nosso descanso e é parte do nosso sustento.

E alguns dias destes anos e anos de Domingos têm tido tanto nevoeiro que me apetece reclinar devagar e deixar-me cair até ao fundo do mar, como quem se abandona num acidente, numa vertigem.

Mas também há outros Domingos de sol onde o estuário se alarga e cresce e eu ando nele como quem anda a viajar no mundo todo e chega até à lua.

E há dias de silêncio fundo onde o meu homem nada diz, fechado dentro dos seus olhos. Uma e outra hora a passar e ele sem nada dizer. Eu oiço então o rumor dos objectos a deslocarem-se dentro da minha casa.

E gosto da minha casa que é branca e tem uma pequena horta com salsa, coentros e hortelã. Também temos alfaces, espinafres e tomate. E há figos, muitos figos que quando maduros me enchem a casa de perfume.

Nos fins de tarde fico à soleira da porta e vejo o meu homem chegar. Tenho ultimamente sempre o mesmo pensamento: vamos morrer juntos. Não sei explicar como é que um pensamento triste me alegra, mas é que dentro dele sinto companhia, sinto que nunca estarei sozinha.

É assim a minha vida.
~CC~

terça-feira, 8 de maio de 2007

"Brevíssimo Crepúsculo"

Sempre me impressionou a história de Luís Miguel Nava e, com as devidas distâncias, estabeleci paralelos com a de Pier Paolo Pasolini. Relendo-o hoje, apeteceu-me partilhá-lo aqui, a estas horas crepusculares.


Brevíssimo Crepúsculo

Escrevo, o que não deixa de, por meias
palavras, fazer ver as ondas ascendendo
do fundo dos baús.

A água a contas com as trevas.

Fascinam-me essas ondas, bem como uma pedra às mãos
de quem procura abrir nela um sorriso, o céu
que neste poema sei subentendido e apenas
aos olhos dum rapaz a paixão trouxe num brevíssimo
crepúsculo antes de ganhar velocidade e, nos meus ombros,
as mãos desse rapaz quase de rapariga prontas
a voar. Sinto a romper na boca os dentes como a ventania.

Luís Miguel Nava (1957-1995)

L. Aragon

Les mains d'Elsa

Donne-moi tes mains pour l'inquiétude
Donne-moi tes mains dont j'ai tant rêvé
Dont j'ai tant rêvé dans ma solitude
Donne-moi tes mains que je sois sauvé

Lorsque je les prends à mon pauvre piège
De paume et de peur de hâte et d'émoi
Lorsque je les prends comme une eau de neige
Qui fond de partout dans mes main à moi

Sauras-tu jamais ce qui me traverse
Ce qui me bouleverse et qui m'envahit
Sauras-tu jamais ce qui me transperce
Ce que j'ai trahi quand j'ai tressailli

Ce que dit ainsi le profond langage
Ce parler muet de sens animaux
Sans bouche et sans yeux miroir sans image
Ce frémir d'aimer qui n'a pas de mots

Sauras-tu jamais ce que les doigts pensent
D'une proie entre eux un instant tenue
Sauras-tu jamais ce que leur silence
Un éclair aura connu d'inconnu

Donne-moi tes mains que mon coeur s'y forme
S'y taise le monde au moins un moment
Donne-moi tes mains que mon âme y dorme
Que mon âme y dorme éternellement.

Extrait du "Fou d'Elsa"

(Des)caminhos profissionais (II)

Pinhal Novo, caminho para a biblioteca tapado pela montagem de uma feira, ando entre os ferros retorcidos e os tubos metálicos que se tornarão carrocel e pista de carrinhos de choque. Vozes altas, conversa entre dois:

"- O Benfica é uma mais valia!
- Sim, sim, mais valia não existir...!"

Parece-me que é bom poder trabalhar a conversar.

Mais adiante, meia hora depois, levaada pelas imagens que animadora deixava sobre a mesa, a menina acaba a história assim:

- O gato abriu o baú e estava cheio de ouro, brilhava como o sol...ele pegou nele e voltou depressa para casa.

(por acaso o gato até ia ao castelo ver a avó do dono que era cozinheira...mas as histórias, como sabemos, dão muitas voltas).

É bom trabalhar, é tão bom conversar.

~CC~

(Des)caminhos profissionais (I)

Arrentela, Maio de 2007. Ofício de fazer de sombra em dia de sol. Ofício de escutar e de olhar.

Meninos e meninas de 7 anos. Discutia-se o género a atribuir ao espantalho, argumentos mais ou menos ingénuos começados por eu acho, eu gosto, eu...

Mas a M. foi mais longe e disse:

"Eu acho que o espantalho deve ser rapaz porque eles são mais assustadores que as raparigas"

...

(eu gostava de saber o que os pássaros pensam disto)

~CC~

AS MUCH AS YOU CAN

AS MUCH AS YOU CAN

And if you cannot make your life as you want it,
at least try this as much as you can:
do not disgrace it in the crowding contact with the world,
in the many movements and all the talk.
Do not disgrace it by taking it,
dragging it around often and exposing it
to the daily folly of relationships and associations,
till it becomes like an alien burdensome life.

Constantin Cavafis (sempre)

Flor ou espinhos?

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Sonhos à consideração de vossas excelências

Conecto o meu mundo com o deles, agradecendo a forma como me têm acolhido com doses de chá, uma abertura imensa para as nosssas experiências de vida, troca de saberes onde ninguém sabe mais que o outro e livros que abrimos sobre a mesa. E a água é mesmo ouro azul.

Enviam-me agora algumas coisas sobre animação de jardins, que é como quem diz: difunde por aí os nossos sonhos.

Sonhos recebidos, sonhos postos à consideração e em vez de dignissímos cumprimentos, abraço apertadinho. Ou abraços de flores.

~CC~

Enquanto espero

Enquanto espero por uma nova vou recorrendo ao que outras engendraram, e como a minha conjuntivite teima em me "pertencer", não posso ficar muito tempo em frente ao ecrã. Por isso, hoje só tenho uma canção para vos dar:
TE DOY UNA CANCIÓN

Cómo gasto papeles recordándote
como me haces hablar en el silencio
como no te me quitas de las ganas
aunque nadie me vea, nunca contigo
Y como pasa el tiempo que de pronto son años
sin pasar tu por mí, detenida.

Te doy una canción si abro una puerta
y de las sombras sales tu
Te doy una canción de madrugada
cuando más quiero tu luz
Te doy una canción cuando apareces
el misterio del amor
y si no lo apareces, no me importa
yo te doy una canción.

Si miro un poco afuera, me detengo
la ciudad se derrumba y yo cantando
la gente que me odia y que me quiere
no me va a perdonar que me distraiga.
Creen que lo digo todo, que me juego la vida
Porque no te conocen, ni te sienten.

Te doy una canción y hago un discurso
sobre mi derecho a hablar
te doy una canción con mis dos manos
con las mismas de matar
te doy una canción y digo patria
y sigo hablando para ti.

Te doy una canción como un disparo
como un libro, una palabra, una guerrilla,
como doy el amor.

Sílvio Rodriguez, (1970)

Nome(s)

Que vontade(s) escondem estes nomes de baptismo?
E há tanta gente a quem apetecia oferecer uma...
~CC~

por dentro do amor

Ocorreu-me naquele início de Verão um chamamento pelo cheiro dos bebés. Queria simplesmente ter um a que pudesse chamar meu e olhar para ele como um fruto nascido dentro do amor. Esqueci-me que estava simplesmente a meio do mestrado e que planeava ir para Àfrica realizar a tese. Sempre pratiquei a racionalidade do rumo dos afectos, a única aliás em que acredito verdadeiramente. E mal tinha pensado, já tinha acontecido, isto porque as conversas com o nosso corpo resultam em algumas adivinhações celulares (de céu, de célula e de sol).

Depois queria ter a criança em casa por causa do cheiro dos hospitais, por eles se vestirem de branco como a morte e a maior parte nos tratar como crianças pequenas sem vontade nem inteligência. Impossível contornar, contudo, algumas imposições. Passei então para a batalha contra a cesariana, modo que se tornou vulgar de trazer crianças ao mundo. Mas como as coisas correram mal acabei mesmo na dita cuja sala de operações, ainda que teimosamente e vitoriosamente contra a tesoura. Resolveu-se rápido, era apenas um pequeno pormenor.


Quando nos colocam a criança que tanto desejámos, mesmo que silenciosa, em cima da nossa barriga, que fazemos? O toque é o caminho natural dos dedos e assim foi o dos meus, o minímo perante o abraço que queria dar inteiro em recepção e aconchego. Ainda recordo os gritos das enfermeiras: não pode, não pode tocar na criança! Os meus dedos, diziam, não estavam suficientemente limpos, podiam trazer com eles doenças várias.

Eu não sei o que eles e elas sabem e devem saber muitas coisas, isto porque também já os vi salvar muita gente. Mas eu sei outras coisas. E ontem, pela textura do colo, calor das mãos e olhos nos olhos de riso, acho que fiz bem em ser eu a primeira a tocá-la, depois de cortado o cordão umbilical.

Nós já vamos a caminho da cumplicidade.

~CC~

domingo, 6 de maio de 2007

Um gesto apenas

rastos, como estes que não podemos deixar de seguir.

Bom domingo.

Hoje também é o vosso dia... Cada uma à sua maneira, tenho a certeza que ambas são óptimas!

sábado, 5 de maio de 2007

Pertenças

Pertenço aqui, a estes lugares, a estes cheiros, a estas cores, a estes caminhos. Deambulo em pensamento, deixo que o olhar navegue até horizontes perdidos. Depois recolho-me, preciso de portos de abrigo. Preciso muito. Sou pouco andarilha.

Sentimentos de pertença são poucos. De identidades feitos, de escolhas recíprocas, de encontros e “achamentos”. Sempre procuro o que me une aos outros, o que me aproxima. As diferenças são o que nos torna únicos, as semelhanças o que nos torna um todo, feito de diferentes.
Gosto de correntes invisíveis, de ténues laços de força feitos. E gosto de palavras, sobretudo daquelas às quais pertenço. Minhas são só as dores de me ser e as cores de ser feliz.

E recordo A. O’Neill com quem vos deixo hoje, porque sei, como ele, que Ganhamos juntos o que vamos perdendo separados ("No Reino da Dinamarca").

identificação simples


É de esquerda, é mulher, é mãe. Zangou-se com o adversário em pleno debate, defendendo a diferença, qualquer que ela seja. O azul fica-lhe bem. De vez em quando temos que esquecer as dúvidas, fazer uma identificação simples.
É já amanhã, aqui ao lado.
Oxalá ganhe.
~CC~

sexta-feira, 4 de maio de 2007

Brincar às fadas


Abre a tua mão.
Agora fecha-a devagar,
com uma coisa que desejas muito lá dentro.
Vou tornar isso possível.
..........................................................................................................................................................................
Nota breve: Para CGóis e R. e tantos outros mais que me dão vontade de ser uma fada.
~CC~

Apenas mais uma flor!

Olhares

Aquele par de olhos vagabundeava pela sala havia já um par de horas. Corpo hirto, firme, a aguentar toda aquela contenção por detrás das lentes. Outros pares passeavam sem se trocarem, sem se cruzarem. O acerto das dioptrias era difícil. Uns perdiam-se a olhar a lua e a imaginar mundos paralelos, outros detinham-se nos bonitos rótulos de elegantes garrafas de vinho. Os prazeres prometidos nas depuradas linhas das caixas de chocolates apelavam a outros mais gulosos. No ambiente enfumarado, esfumavam-se já as hipóteses de redenção pelo encontro. A vagabundagem esgotava o mais estóico se não encontrasse poiso, mesmo um abrigo precário servia.
Mas a espera não tinha sido em vão. Suspensos na surpresa de se (re)olharem, ali ficaram tentando decifrar significados escondidos naquelas pupilas sarracenas.

Duas ou três banalidades

Banalidades, futilidades, coisas supérfluas, sem valor. Pensamos em disparates - ditos ou escritos - , objectos, ideias ou acções de pechisbeque que nos contentam no imediato, mas que deixam um curto rasto de íntima e genuína satisfação. Coisas que descartamos das nossas vidas, apanhados que estamos na voragem da pulsão consumista. Seria mais ou menos isto que caberia como definição de banalidade.
Pois eu, acho que está tudo ao contrário. As banalidades, futilidades, coisas supérfluas, sem valor tornaram-se essenciais e quase as assumimos e incorporámos na nossa essencialidade/identidade humana.
Porque afinal o que se tornou banal foi o sofrimento alheio, o que se tornou fútil foram os milhões gastos em armamento, o que passou a ser supérfluo foram as inúmeras iniciativas de apelo ao fim das guerras, dos genocídios e das injustiças, o que deixou de ter valor foi a vida humana. O Sudão, o Congo, a China, o Iraque, o Líbano, são palcos de dramas que acompanhamos (ou não) à distância, que sofremos (ou não) à distância. Afinal, a distância que medeia entre o sofá e o ecrã...
Desculpem lá, hoje despertei-me assim.

Comentários....

Cara maçã de Junho que tens um nome tão bonito mas por muito que gostemos do Jorge Palma, chega-nos prestar-lhe tributo nomeando-o para falar com a lua. Compreendes?

Caro anónimo de blogue de nome extenso e quase ilegível, agradecemos a visita mas preferimos que deixe a sua assinatura, nem que seja numa letra só e acompanhada de morada, pelo menos virtual. E já agora, ainda que os sentidos possam ser múltiplos, escrevam-nos coisas que nos façam sentido. Como diz a parceira CGS, sentem-se à mesa do café central (quase toda a terra tinha um) e conversem connosco se quiserem, é essa a ideia. Concordantes ou discordantes fiquem um bocadinho. Mas temos as caixas do correio lá de casa entupidas de publicidade e uns quantos colegas que nos dizem umas coisas vindas de universos que não entendemos, por isso compreendam se moderamos. Moderamos porque isto é para ser um prazer e não uma chatice.

Agora voltem, se acharem bem.

João, Carla e Cristina

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Perdidos e achados (I)

Eu confesso que li mas fiquei calada como acontece (quase) sempre quando me fazem pensar. Diz o senso comum, esse senhor que que acha que sabe muito, que Freud explica. Para lidar com a quantidade de vezes que me perco e perco coisas e ainda com os erros que mesmo infímos se tornam fatais se forem em formulários informáticos ministeriais, encontrei uma fórmula.

Penso que se perdi uma coisa há qualquer outra que vou achar ou então que se aquela coisa for realmente importante ela volta para mim, encontra o caminho de volta. Podem acusar-me à vontade de realismo mágico, mas acho que isto já me acontecia antes dos cem anos de solidão do Gabriel Garcia Marquez. Esse livro e outros (Borges, oh Luís...) foram apenas mais pó de estrelas a juntar aquele que trazia quando nasci. Dizem que um pouco de loucura nunca fez mal a ninguém.

Deixo hoje apenas um episódio.

Quando vou a Lisboa gosto de deixar o carro perto de duas casas de estudo que já foram minhas, é como se ficasse por lá abrigado. Depois vou onde quero ir de transportes públicos. Gosto de ouvir o que dizem as pessoas e quem são elas, acho que é sobretudo isso. Mas percebo já muito pouco das carreiras ao ar livre, das linhas por baixo da terra que se multiplicaram em cores e dos amarelos que agora são publicidade andante. Penso como é possível que tudo se transforme assim tanto em apenas seis anos de ausência. Perco-me então. Coisas pequenas de correcção fácil.

Mas no outro dia o autocarro inclinou-se por uma rua estranha e escura e eu achei que não era por ali que queria ir, mas segura que a rua era mais ou menos paralela à que eu procurava. No entanto, não consegui localizar-me mas quando dei por mim estava na rua do Figueiredo, até aqui tudo bem, fez-me sorrir porque reconhecia aquele apelido. A seguir entrei no beco do Figueiredo, no Largo do Figueiredo, na travessa do Figueiredo...tudo ali era Figueiredo, como se tivessem inventado um bairro de Lego ou Monopólio. Pensei que tinha morrido ou pelo menos tinha entrado sem saber num filme de David Lynch. Senti falta de ar, não conseguia sair dali, enredada em tanto Figueiredo. Por acaso é só o meu último nome, apelido de família, por acaso um nome que quase nunca uso. Lapsos, é o que é. E não se esqueçam que Freud explica.
~CC~

Thinking Blogger Awards



Apesar de não gostarmos muito deste tipo de atribuições (já nos damos por satisfeitos se alguém não nos ler), gostamos de pensar e que nos façam pensar.

A nomeação duas vezes pela Marta e uma vez pela 3za começa a preocupar-nos, uma vez que pode obrigar à mudança de nome do estaminé, no entanto, se insistirem em passar por aqui, serão sempre bem-vindos.

E embora ninguém nos leia, também daqui não sai ninguém sem resposta:

1 . O canhoto http://ocanhoto.blogspot.com/

2. Orsai http://orsai.es/

3. De rerum natura http://dererummundi.blogspot.com/

4. Respirar o mesmo ar http://respiraromesmoar.blogspot.com/

5. Ponte das três entradas http://3entradas.blogspot.com/

quarta-feira, 2 de maio de 2007

lua de Maio






O que mais gosto é da transição, do que está entre qualquer coisa, ver, por exemplo, aquele tempo que é ainda dia mas em que noite já se aproxima. Não sei se há identidades puras mas desconfio delas.


Mas agora que é já noite inteira também fico dentro dela, adivinho-a longa que amanhã é novamente dia de exames orais. Oiço a minha filha a dizer-me surpreendida: mãe, mas como é que és tão crescida e és aluna? Quando é que chegas àquele grau em que já não se pode estudar mais? Não há protesto na voz dela, há ternura como se fosse ela a minha mãe e eu estivesse inquieta.

Aproximei-me demais da janela. Olho-a assim cintiliante e bela. Deixo que me encha de brilho. Acompanhava-a da voz rouca do Jorge Palma, ele que a canta tão bem. É uma lua de Maio, não há dúvida.
~CC~

Uma vida (quase) inteira na "escuridão" das letras.

(...)
Que adianta saber as marés
Tratar por tu os oficios
Os frutos e as sementeiras
Entender o suão e os animais
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais
E do resto entender mal
Falar o dialecto da terra
Soletrar assinar em cruz
Nao ver os vultos furtivos
Que nos tramam por trás da luz
Cantado por Rui Veloso

Chegavam aerogramas do outro lado do mar e enquanto esperava que alguém por lá passasse para os ler, ia engolindo angústias mastigadas com o pão escuro e o café de borra. Depois, quando ouvia "nós por cá todos bem" descansava e até cosia as baínhas com mais precisão. Morreu sem saber decifrar uma única letra.

Diziam-lhe que agora tinha direito a 5 contos por mês. Sabia que sim porque aos números sempre era mais fácil conhecê-los. As letras é que eram um sarilho. Mudavam de som consoante as palavras e ele que se chamava Zé, não percebia porque é que esse mesmo nome se escrevia com quatro letras. Juntava o que sobrava dos biscates numa caixa, não podia abrir conta num banco, nem passar cheques, nem assinar, nem nada. Um dia ouviu dizer que a Câmara ia ensinar as pessoas a ler e a escrever. Como? Umas raparigas que "tinham estudos", viriam à noite depois do jantar, lá ao Clube. Era fácil só precisava de lá ir, dar o nome e não faltar às aulas. Se tudo corresse bem, em Junho fazia o exame e já podia abrir uma conta, passar um cheque e escrever ao filho que continuava na Suíça e só vinha no Verão de vez em quando.

Para ela a escola poderia ter sido a libertação. Um pai autoritário e sem emoções tinha-lhe vedado qualquer saída. Os rebanhos tinham de ser apascentados e à escola só ia quando calhava. No meio das cabras treinava a leitura nos pedaços de jornal que ia encontrando no chão. Os irmãos tiveram melhor sorte. Eram rapazes. Cresceu assim, a sonhar com a escola. Num certo Abril renasceu-lhe a esperança e, anos mais tarde, tal como o Zé, também soube do que a Câmara ia fazer. Não perdeu tempo, inscreveu-se e não falhou um dia. Em Junho fez o exame da 4ª e que bem lhe soube ouvir os elogios dos professores quando respondeu a tudo na ponta da língua. "Quem era o Presidente da República? O que era o Parlamento? Em que regime vivíamos, agora que havia luz?

O Manel tinha vindo de São Tomé, precisava de fazer o exame da 4ª para poder tirar a carta de condução. É que ser motorista, era muito melhor do que carregar sacos de cimento e tijolos e...

Naquele Junho longínquo senti que aquele ano tinha mesmo valido a pena. Nunca faltavam, fizesse frio ou chuva, o gosto por aprender era profundo e a vontade de saber mais um bocadinho era forte.

E porque aqui se vem falando de trabalho, e porque acho que é sempre gratificante, aqui vos disse como ganhei os meus primeiros trocos enquanto monitora nas acções de alfabetização promovidas pela Câmara.

Coisas de género...

Será verdade? Demora um pouquinho a carregar e a ver, mas vale a pena.
Fez-me rir e deu-me que pensar.
~CC~

terça-feira, 1 de maio de 2007

Dia 1 de Maio...

Hoje, dia do trabalhador, é também a data de aniversário da Associação Humanitária Bombeiros Voluntários de Pinhal Novo. Recebi o convite e fui. Quando ouvi, há pouco tempo numa conferência sobre voluntariado, a ~CC~ dizer que ser voluntário é receber muito mais do que se dá, não pude deixar de pensar no muito que recebi, e aprendi, no ano que passei entre eles. Durante um ano também eu inventei tempo onde não o havia e muitas noites cheguei de madrugada a casa, no entanto, nem um só segundo foi mal gasto...

Parabéns Bombeiros, homens e mulheres excepcionais!

(Primeiro de) Maio

Há coisas que contamos ter pela vida dentro, mesmo que tenham cor negra. Um pouco de desilusão, laivos de desamor, um provável desencontro. Outras há que achamos nunca vão morar lado a lado connosco. Falo da doença, da droga, do desemprego, da morte, essas são coisas dos outros. Olhamos para elas com a distância de quem as vê nas páginas de um jornal.

Quando menos esperamos, porém, uma coisa destas acontece-nos, a nós ou a alguém que amamos tanto ou mais que a nós mesmos. Percebemos então que uma outra atenção a estes problemas nos teria sido essencial porque são as coisas do mundo, de todo o mundo que é nosso. Talvez uma outra atenção faça falta, não me perguntem exactamente como, cada um o encontrará ou o encontraremos juntos.

Nenhum manual nos serve para encarar o precipício, penso que apenas toda a quantidade de calor que conseguimos guardar nos desembrulha os dias e nos lança na esperança. E eu, como nasci e passei a infância em África, não tenho de meu quase nada, mas guardei muito sol. Talvez por isso faço um exercício de regresso ao passado em vez de me demorar mais e mais na incerteza do futuro neste dia primeiro. Esse regresso faz-me sorrir e esse movimento dos lábios é quase é uma carícia.

Recordo os meus primeiros empregos, dois Verões-um com quinze anos e outro com dezasseis.

O primeiro dividiu-se em dois e ambos combinados com a palavra Algarve-era o tempo da chegada do Turismo de massas. Fardadinha de branco e preto tentava servir os ingleses numa esplanada junto ao mar, pensando sempre na hora do mergulho, no sal , na vertigem da espuma. O resultado não foi bom, ganhou o mar. Depois, um pequeno quiosque serviu-me a mim e a outra amiga de porto de autonomia total. O proprietário tinha o quiosque fechado e deu-nos a chave, a liberdade da criação da ementa e 10% sobre os lucros. Ainda hoje penso como é que se entrega um negócio assim a duas miúdas, uma de 15 e outra de 19 anos...mas confesso que foi dos melhores empregos da minha vida: criação, lucro e banhos de mar à vez.

No Verão seguinte inscrevi-me num programa do Ministério do trabalho, denominado como OTL que hoje, reformulado, deve ter sigla parecida. Colocaram-me numa autarquia entre o rural e o urbano, periférica da cidade de Lisboa (hoje da área metropolitana). No primeiro dia também ganhei uma chave. Era a chave de um parque infantil da pequena cidade; meia dúzia de baloiços, dois escorregas e uns cavalinhos desbotados, plantados em areia da praia e cercados de rede. Competia-me a mim guardá-lo nas férias da empregada oficial. A única lição que me foi dada tinha a ver com um estranho objecto de alisar a areia ao final do dia, livrando-a de folhas e outros elementos impróprios. Porta fechada, poucas falas e areia lisa -foram as recomendações. O primeiro dia foi de observação, no segundo já levei as canetas de feltro e as folhas de papel e no terceiro a bola e...a areia sempre lisa!

É bom trabalhar.
~CC~

Autoridade e poder

Tenho andado com uma escrita preguiçosa e um bocadinho macambúzia, mas leio com atenção o que outros escrevem e hoje juntei 1 mais 1 e fui parar ao 3. Há coisas assim, mesmo com a matemática, não é 3za?
O quanto se tem escrito e dito sobre autoridade e poder. Palavras temidas por muitos, recusadas/contestadas por alguns e veneradas por outros. Temos que deixar de temer as palavras e usá-las sem preconceitos estéreis. Sempre defendi que o acto de educar tem de estar recheado de sedução. A sedução pelas ideias novas, pela vontade de pensar, pela troca sempre presente, pelas novas janelas que se vão abrindo. Se juntando 1+1 também chegarem ao 3, como eu, atentem bem nos últimos parágrafos e vejam lá se não temos muito a ganhar com cabeças desempoeiradas.
Bom resto de feriado.
PS: quando estiver menos preguiçosa, hei-de trazer aqui, a este propósito, um amigo americano de quem muito gosto