quarta-feira, 30 de maio de 2007

na vizinhaça da greve

Ela é normalmente calada, tirando cafés de olhos no chão, com um sorriso raro. O café embora fique na esquina (e por seja um apelo para quem, como eu, veio também à procura do calor que mora na palavra vizinhos) cria distância(s). Mas hoje acho que ela olhou para mim pela primeira vez e abriu o rosto num franco sorriso:

- Então, hoje não foi trabalhar, está em greve...?!(e sorria, e sorria...)

Não conseguiria explicar-lhe a dissonância da minha vida, o ritmo que bate a contratempo, a descontinuidade das horas. Como dizer-lhe, por exemplo, que um dia abandonei pelo meu próprio pé essa verdadeira crença na estabilidade do emprego na função pública, deixando para o vínculo, substituido por coisa nenhuma, ou antes pela ideia do gosto, do prazer, da vida construída a cada dia que passa. Dizer-lhe que embora me arrependa muitas vezes de o ter feito (sobretudo porque quando não conseguimos conjugar a palavra futuro, há coisas que não se podem sonhar e isso só aprendi depois) há muitas outras em que não me arrependo. Nada disto devia ser assim e tudo devia ser uma outra coisa, uma outra relação com o trabalho.

Agora que ela me sorria, não a queria desiludir, vendo nos seus olhos a importância da adesão à greve, murmurei uma imprecisão precisa: já sabe os números?

- Aqui não se ouve passar nenhum comboio! E vem tanta gente por aí a passear...mas sabe os motoristas é que são importantes, esses se quisessem paravam o país!
(não lhe conhecia o sorriso, quanto mais estas análises sociais, este gosto pela política...)

Desejei-lhe bom dia e bons números e senti-me feliz porque o café tinha ficado a uma distância menor.
~CC~


PS- Bom, agora que neste lugar que ninguém lê, só aparece a CC, ainda se dão menos garantias de qualidade...que será feito dos meus camaradas?(isto hoje fica bem...)

1 comentário:

Anónimo disse...

Vês, quando venho comento quase tudo.
O blog ficou bem entregue, e eles também o sabem