sábado, 30 de junho de 2007

Gente de quem me apetece dizer bem III

Tinha quase 70 anos quando o conheci, a idade dos meus pais. Voz pausada de veludo, cabelos grisalhos e ondulados que lhe batiam nos ombros, pele morena, tisnada pelo sol do Brasil e por algumas gotas de sangue escravo. Mas ele tinha rejeitado tal sorte e ainda jovem, boémio e comprometido politicamente, cedo provou as agruras dos que contestaram o regime militar nos anos 60'. Militante do PC Brasileiro procurou exílio na então URSS. Por lá ficou até poder regressar ao seu amado Brasil. Casou, teve filhos e fez-se advogado. Descasou quando conheceu Maria Aparecida. Mais jovem do que ele, activista política também, presa e torturada nas cadeias brasileiras, tinha conseguido manter o sorriso e a tranquilidade. Quando os conheci, 'Cida' trabalhava na fixação do texto de uma nova Constituição, tinha lido a portuguesa e achava-a escrita num registo poético.

Deliciei-me a ouvir as suas histórias do exílio e da resistência à Ditadura. Uma tarde ele olhou-me e disse-me "Quando a vi entrar fez-me lembrar uma amiga russa do tempo do exílio. Nunca mais soube dela..." E ali ficou, de olhar perdido nas memórias passadas. Sorri-lhe, segurei-lhe a mão morena de compridos dedos e olhei-o com ternura. Também eu tinha a impressão de já o conhecer. As afinidades tinham feito o seu trabalho.

Durante a minha estadia em S.Paulo ele insistiu para que me instalasse na sua fazenda a poucos quilómetros da cidade. Como ainda me restavam alguns dias antes de regressar a Lisboa, aceitei a oferta. Acompanhou-me e ao fim do dia regressou à cidade. Mas antes mostrou-me tudo, as árvores (cada uma com a sua história), o riacho, os cavalos, a família de caseiros que tomava conta da fazenda e um segredo guardado dentro de um armário - armas, muitas e prontas a serem usadas -. Interroguei-o com o olhar e serenamente respondeu-me: "Minha querida, a democracia e a liberdade nunca estão ganhas em definitivo".

A seguir, levou-me pela encosta que descia até ao riacho e fez-me parar a meio do caminho à porta de uma capelinha, pintada de branco e enfeitada de flores. No interior, uma pequena prateleira servia de altar e em cima havia uma pequena caixa de madeira. Perguntei-lhe o que era e ele respondeu-me desassombrado: "O meu filho, o meu único e amado filho. Faleceu com 20 anos num acidente de automóvel, movi uma guerra à sua mãe, que queria enterrá-lo, e consegui trazer as suas cinzas para aqui, onde estará sempre comigo".

Saí comovida e, em silêncio sem que ele visse, enxuguei algumas lágrimas que teimavam em cair. Seguiu-me e disse-me: "Agora venha ver uma árvore que não existe em Portugal". Fomos até uma árvore frondosa, cujos frutos parecidos com cerejas cresciam agarrados ao tronco, como pequenas pérolas negras. "Chama-se jabuticabeira e a jabuticaba tem um papel importante na fecundidade das mulheres. Prove os frutos aqui porque depois de apanhados duram pouco e não poderá levá-los para Portugal..."

Depois do almoço anunciou que precisava de fazer uma sesta antes de regressar à cidade. Escolheu uma das redes e ali ficou até se recompor do cansaço. Cirandei pela casa e encontrei velhos livros. Uns mais lidos que outros. Numa das prateleiras encontrei "As Farpas". Reli-as. Quando acordou mostrei-lhe o livro. Já não se lembrava e achava mesmo que alguém o deveria ter deixado esquecido. Como se tinha esquecido dos óculos li-lhe algumas passagens e vi-o sorrir, de novo com o olhar suspenso no passado.

O fim da tarde tinha chegado depressa e ele tinha de regressar antes que fizesse escuro, mas ainda quis mostrar-me duas árvores que tinha plantado havia poucos dias e disse-me: "Esta aqui vai ter o seu nome e quando você partir, vou vê-la crescer e lembrar-me de si".

Alguns dias depois regressei a Portugal. Ainda nos falámos ao telefone e escrevi-lhe sem nunca ter tido resposta. O silêncio instalou-se como um muro e nunca mais soube deles. Foi há sete anos.

É estranho como as pessoas se perdem de nós, ou nós delas...

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Bem...das raparigas fortes(I)



Ela era muito pequena e magra, qualquer vento parecia que a dobraria, não deixando mais que a sombra. Tinha, no entanto, tido sempre um sorriso grande, uma boca cheia e sumarenta, não obstante se turvar por vezes com as nuvens dos caminhos e deixar o riso à porta de si.

Crescemos sempre com receio de que não vingasse, como as plantas que demoram a crescer e a ganhar raiz. A mãe levava-a aos médicos, sequiosa de um adubo que agarrasse à terra o último dos seus rebentos. Lentamente, lentamente se tornou uma mulher e mesmo quando já o era, ainda a tratavámos como se não o fosse. Creio que ainda nos espantámos quando foi mãe, porque a tínhamos dentro dos nossos olhos como uma menina.

E depois disso, era a menina dela ainda bebé de colo, apareceu afinal o que sempre tinhamos temido, mas agora tinha nome e nome de doença feia e quase fatal. Logo a ela, pensámos, que qualquer vento parecia poder dobrar. Nós chorámos entre nós e sorrimos perto dela.

Todos os tempos no hospital são tempos sem horas, como se os relógios tivesse avariado para sempre. E lembro-me de ver o sol e não o sentir, lembro-me de não conseguir sentir alegria por o Verão chegar. Mas ela não, ela disse-nos sempre que ia viver. Ela nunca perdeu uma noite de sono, nunca tomou nem uma das pílulas do esquecimento ou da alegria, nunca deixou de querer estar bonita. De repente, parecia que nenhum vento a poderia dobrar e que ninguém poderia duvidar de que a sua raiz estava bem dentro da terra.

Sim, ela viveu, mais forte do que jamais alguns de nós pode pensar. Ela era afinal uma rapariga forte. Passaram três anos depois dos vómitos que os liquidos de cores via intravenosa provocavam, dos suores, dos pesadelos. A pele dela ganhou cor, porque bonita ela sempre foi. Espera agora uma outra criança, depois de refazer a vida e ter deixado crescer em si o amor.

Está já em casa por recomendação médica, impaciente com a ideia do repouso absoluto, mas crente como sempre. Forte, como sempre. É preciso dizer bem das raparigas que são fortes. Eu preciso dizer bem dela.

~CC~

Bem...dos estudantes (II)



Quando já os julgava incapazes de abrir qualquer porta de tal forma eles tinham começado por fechar umas atrás das outras e o desespero tomava muitas vezes conta da esperança, chegaram sinais diversos.

Eu já não sei dizer se era a preguiça ou o medo que morava dentro deles, nem qual deles morreu primeiro. Muito lentamente parecia que era possível desatar as vontades aprisionadas.


Foram os poetas a abrir as portas, palavras no chão da sala fria, uma canção. No dia em que se cantou aquela canção que é quase feita de silêncio, mudou alguma coisa. Ou talvez tenha sido antes ou depois, nunca sabemos bem qual o momento em que uma relação muda, onde aconteceu o clique.

Hoje abrem as portas para o vento e deixam trilhos pelos locais por onde passam. E logo eles que não gostavam de livros e queriam sempre coisas práticas. Lembro-me de como esta expressão se assemelhava dentro de mim a qualquer coisa como um ataque de nervos à Almodovar. Mas é agora possível colocar um sorriso no lugar onde as lágrimas não se soltavam mas estavam lá.

E desfez-se pouco a pouco a imagem do gelo-era a quase impossibilidade de lhes tocar no que era preciso tocar.

Às vezes vale a pena esperar um pouco antes de escrever a conclusão.

~CC~

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Gente de (com) quem me apetece dizer bem II

Um dia

Um dia, gastos, voltaremos
A viver livres como os animais
E mesmo tão cansados floriremos
Irmãos vivos do mar e dos pinhais.

O vento levará os mil cansaços
Dos gestos agitados irreais
E há-de voltar aos nosso membros lassos
A leve rapidez dos animais.

Só então poderemos caminhar
Através do mistério que se embala
No verde dos pinhais na voz do mar
E em nós germinará a sua fala.

Sophia de Mello Breyner

El sueño de la razon...

( Imagem captada em
http://goya.unizar.es/InfoGoya/Obra/Catalogo/Grabado/C43.html)


Sempre me intrigou este desenho de Goya e a frase que o acompanha. Ele escrevia sobre o terror das guerras, sobre o desvario dos ódios descontrolados. Mas o que é que adormeceu em nós, a razão ou a emoção? Que razão é esta que, por, supostamente, ser objectiva, positiva, palpável, mensurável, nos leva por caminhos tão ínvios e dolorosos. É porque adormeceu? Ou porque nunca se soube ser, assim desacompanhada do que lhe dizem os sentidos? Ando a pensar nisto há muito tempo, respostas não as tenho encontrado, mas partilho convosco estas interrogações. Hei-de voltar ao assunto, com outros faróis.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

Bem...dos estudantes (I)




A. enviou hoje um mail que dizia obrigada. Há estudantes que agradecem, não sei se deviam, se é suposto agradecer. Talvez o agradecimento nem seja legítimo, afinal este é o nosso trabalho. Mas talvez seja, talvez exista algo para agradecer.

Dizia mais, mas obrigada era palavra redonda que enchia tudo. Ela dizia muitas vezes obrigada, encheu o seu texto do seu coração frágil e sentido, e nas suas palavras cheias de cansaço mostrava luta, dizia "voltarei mais forte". E agradecia, agradecia as vezes que a porta do gabinete se abriu para ela entrar, por vezes a custo, no meio da correria pela qual quase nos deixamos sufocar. Há dois dias disse-lhe que ia esperar pelo menos meia hora lá fora, que não podia mesmo falar com ela. Mas agradeci a centelha de lume que fez impedir-me de a mandar embora. Uma palavra para pessoas que querem lutar é por vezes o que basta. E hoje falamos bem, falamos de luta.

A. não sabe mas o cansaço é muito e por vezes uma palavra muda tudo, abre um caminho no escuro. Ela afinal também me abriu uma porta.

Educar é muitas vezes isso, puxar um fio de luz pelo qual podemos subir juntos.

~CC~

terça-feira, 26 de junho de 2007

Berço e amor materno

Fui tomar a bica e encontrei por lá uma ligação a um conjunto de vídeos muito interessantes sobre o tema: berço e amor materno em diversas culturas... Vale a pena espreitar as outras também!


Gente de (com) quem me apetece dizer bem I



CHOVE!
Chove...
Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve senão eu?
Chove...
Mas é do destino de quem ama
ouvir um violino até na lama.


José Gomes Ferreira

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Palavras para bem-dizer


Arco-íris
Ternura
Colo

Andar de bicicleta
Beijo
Abraço
Bolinhas de sabão
Liberdade
Solidariedade

Sol
Calor
Céu azul
Bom dia
Sorriso
Rir até às lágrimas

Passeio sob as estrelas
Casas nas árvores
Camas de nuvens
Maçãs
Cartas de amor
Cartas de amigos
Alentejo
Nómada
Força
Romãs
Manjericão
Voar
Mar
Estrelas
Conchas
Alfazema
Lírios
Cavalos
Planície


...podem continuar

Simba

O gato doméstico mais vadio que conheço!

domingo, 24 de junho de 2007

Habitar uma dor...

J’habite une douleur

Ne laisse pas le soin de gouverner ton coeur
à ces tendresses parentes de l'automne
auquel elles empruntent sa placide allure et son affable agonie.
L'oeil est précoce à se plisser.
La souffrance connaît peu de mots.
Préfère te coucher sans fardeau: tu rêveras du lendemain et ton lit te sera léger.
Tu rêveras que ta maison n'a plus de vitres.
Tu es impatient de t'unir au vent, au vent qui parcourt une année en une nuit.
D'autres chanteront l'incorporation mélodieuse, les chairs qui ne personnifient plus que la sorcellerie du sablier.
Tu condamneras la gratitude qui se répète. Plus tard, on t'identifiera à quelque géant désagrégé, seigneur de l'impossible.

Pourtant.

Tu n'as fait qu'augmenter le poids de ta nuit.
Tu es retourné à la pêche aux murailles, à la canicule sans été. Tu es furieux contre ton amour au centre d'une entente qui s'affole. Songe à la maison parfaite que tu ne verras jamais monter. A quand la récolte de l'abîme? Mais tu as crevé les yeux du lion. Tu crois voir passer la beauté au-dessus des lavandes noires...

Qu'est-ce qui t'a hissé, une fois encore, un peu plus haut, sans te convaincre?

Il n'y a pas de siège pur.
René Char, Le poème pulvérisé (1945-1947)

Essa coisa...de dizer bem?!


Já podemos começar a dizer bem?! Parece que é esta semana companheiros, sempre alinham?
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E pode ser assim sobre qualquer coisa? Ou tem que ser só da Educação? Da Educação na escola? Ou dela assim dentro e fora de nós e em toda a parte?
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Podemos começar no primeiro toque da mão da mãe sobre a barriga que cresce?
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Então está bem.
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~CC~

sábado, 23 de junho de 2007

Viagens

Já faz mais de vinte anos que aprendi como viajar para fora de mim sem sair do mesmo sítio. E se já tinha algum jeito, foi no chão da sala de ensaios do teatro da Comuna que o apurei. O teatro para mim nunca me apareceu como uma profissão, eu só gostava das viagens e pouco me dizia o espectáculo montado e muito menos a repetição dia a dia das mesmas cenas. Nunca quis ser actriz e por isso só hoje consigo saber porque, não o querendo ser, passei lá quase seis anos a andar para cá e para lá. Afinal estava a treinar o que me seria mais útil na vida: a arte da evasão, da viagem interior, de levar o meu pensamento até onde me apetece. É que nem sempre podemos estar onde queremos e a fazer o que desejamos, mas em pensamento sim.


Quando ainda tão pequena deixei para trás e sem o desejar e de um dia para o outro todo o sistema de referências que alimentava o meu saber sobre o mundo, já usava um truque para suportar a dor dos dias. Assim que a noite chegava e eu me podia deitar, fechava os olhos e transportava o meu corpo até ao quintal da minha casa em Luanda. Conseguia-o tanto e tantas vezes que acordava muitas vezes a desconhecer o lugar em que me encontrava, acordava como se estivesse no meu quarto lá. Na Comuna só apurei a minha arte da viagem porque o mestre era um grande viajante, usava a voz como nunca vi mais ninguém usar para nos levar até onde ele queria. Deve ser também por isso que a Viagem é uma das peças que nunca esqueci.


Hoje chegou o Verão e não posso sair de casa. Ela já nem é uma casa, é apenas um lugar atafulhado de obrigações encadernadas a argolas de várias cores. Como quem brinca às casinhas, tento organizar o caos por montes e depois dou a cada monte um título imaginativo, tudo para ver se me engano a mim própria, mas isso não me salva muito.

O que me salva mesmo é pensar que estou em Praga. Pensar num beijo em Praga. Isso sim, é uma viagem. Obrigado ao meu mestre.
~CC~

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Guarda-rios e estuários (VIII)

Crescer a pensar que todos os lugares com água devem ser guardados como lugares de culto e a todas as árvores se deve rezar porque são deusas que fazem chover.
Para os casamentos Almar, era necessário ir buscar a água pura das fontes e a noiva dava de beber a todos os convidados. E eu sonhava sempre que o meu seria num lugar onde um rio nascia e por isso tentava descobrir nos mapas da escola todos os lugares em que isso podia acontecer. Marcava os lugares com um sinal de flor.
~CC~

Shrek o Terceiro

Imagem captada em: http://www.shrek.com

Fui ver ontem e gostei...
E vocês não levam a pequenada?

Os contos de fada já não são bem o que eram, mas....
Continuam a ter finais felizes!

quinta-feira, 21 de junho de 2007

O riso dos golfinhos




Penso só nos golfinhos. Penso só no modo como eles morrem quando a água se torna escura. Penso que a sua beleza é toda feita de pureza. Penso só no sorriso dos golfinhos, na cumplicidade do olhar deles, na verdade que se sente na sua natureza. Penso que morro quando eles morrem e do mesmo que eles morrem.



Penso no modo como eles espreitam tão docemente o mundo e como fazem da sua fragilidade a sua força e desejo absolutamente viver entre eles. De repente queria mergulhar, ir já embora.

~CC~


quarta-feira, 20 de junho de 2007

A sala de EVT de amanhã

Hoje fui à capital visitar uma escola com nome de poeta. Falámos de computadores e de como dois alunos, que normalmente eram os mais mal comportados, eram responsáveis por grande parte do trabalho colectivo, feito no computador, e sabiam de cor parte da nossa história...

Vi trabalhos de alunos do 5º ano que projectavam a escola do futuro a três dimensões... Lá estavam as mesas que levantavam quando se carregava num botão e lá estavam também os computadores, porque a sala de aula de amanhã "terá computadores em todas as mesas para pesquisarmos coisas".

A visita do excelentíssimo senhor (II)

Pouco a pouco como acontece nas cidades que vivem devagar e voltadas para dentro fico a saber mais e mais sobre a visita do excelentissímo senhor.
Ele não escolheu a fortaleza para ficar, talvez porque não saiba falar com as pedras antigas, pois sempre preferiu o asfalto a cheirar a novo. Mas a fortaleza é o lugar que mais sabe da cidade, podemos lá ficar horas a escutar. Mas talvez ele só quisesse falar, dizer cantos, por exemplo. Cantos é uma palavra polissémica de grande intensidade.
Ele escolheu um lugar novo, obviamente cheio das estrelas máximas: as cinco. E com uma suite com o título adequado, cujos assessores, dizem em que número de trinta (é tão belo este imaginário popular que gosta de ver a dobrar) a vistoriaram cuidadosamente.
A vista de lá também é de um azul de arrepiar o olhar e os assessores gostaram. Já as andorinhas eram a mais enchendo o céu junto às árvores, eram quase incómodas naquelas danças tontas e tontas de voltas e voltas. E não se podia fazer nada. Não se podia amarrá-las ou propor-lhes uma viagem curta. Não se podia calá-las, talvez o ideal para treinar os cantos.
Contudo a esperança é grande, mesmo grande. Se o senhor viu as andorinhas ao cair da tarde em toda a magnitude daquela aguarela, então ele talvez não fique exactamente o mesmo. E espero pelos cantos no próximo ano. Fico a imaginá-lo, num fervor a dizê-los, com os olhos cheios de andorinhas.
Volte para o ano por favor.
~CC~

Almoçar com Putine....





Vejam o resultado!

Bom, aqui podem ver o resumo do almoço...

Da vida, da escola e dos afectos....

Não vou escrever nada. Se são professores, espreitem e depois digam se não valeu a pena.

Ps. Espero que a sopa fique muito, muito boa!

terça-feira, 19 de junho de 2007

Guarda-rios e estuários (VII)


Menina Almar que eu fui até as roupas estalarem junto ao meu peito mulher sonhei sempre.
Sonhei com um espantalho de espantar a tristeza dos olhos da minha mãe.
Hoje olho o meu rosto no espelho: é igual ao da minha mãe.
Sonho na mesma com esse espantalho.
~CC~

Raízes com asas

A Tia velha tinha-lhe dito um dia que ela era a que mais se parecia com a trisavó. Não havendo fotografias, não podia confrontar parecenças nem contestar impressões. Perguntou porquê mas a Tia foi pouco clara. Insistiu tempos depois e obteve como resposta: "Não sabemos se é verdade, mas, seja como for, é segredo e pouca gente sabe da história, por isso, não a repitas, seria uma vergonha - a tua trisavó era uma cigana que abandonou o grupo para casar com o trisavô, e tu és a mais parecida com ela."
A partir desse dia desejou encontrar uma verdade documentada e racional, mas intimamente sabia que não precisava de documentos e sabia que era dessa raíz que lhe vinha a "leviandade" que a mãe sempre lhe tinha criticado, que era dessa raíz que cresciam os ramos da árvore apontados ao céu, seu único limite.
Viajava pouco, mas era raro que não se sentisse "em casa" fosse onde fosse. Como se o estranho fosse, para ela, familiar. Não sabia de onde lhe vinha este à-vontade. Era tímida. Confiava-se pouco, resguardava-se muito. Tinha poucos amigos, dois ou três pilares mas sem grande intensidade. Era demasiado orgulhosa para admitir que precisava de alguém incondicionalmente.
Tinha um corpo sedentário mas uma alma nómada. Nómada. Era bonita a palavra, aveludada e cheia. Era ao impulso do coração que incorporava, fascinada, as visões dos homens azuis do deserto, das caravanas dos romanish trazidas pelos documentários ou pelos filmes de Kusturica, dos cavalos da Camargue. Era sempre com um arrepio profundo que ouvia os acordes de Paco de Lucia. E a Carmen... A vastidão das estepes e as planícies alentejanas eram das imagens que mais paz lhe traziam. Era pelo coração que entravam os sons das músicas e o moreno tisnado dos vendedores ambulantes vestidos de negro eterno. Como se houvesse uma ligação directa entre o olhar e aquele músculo irrequieto, substituindo-o. Às vezes via primeiro com o coração.
Gostava de se apaixonar e tinha citado vezes de mais para si própria a frase encontrada nas Novas Cartas Portuguesas "este meu muito maior prazer em sentir-me apaixonada do que em amar-te". Divisa de vida? Talvez. E, talvez por isso, tinha ouvido algumas vezes que não sabia amar. Surpreendida no início, tinha trilhado ao longo dos anos um caminho de lava, incandescente e solitário. Comprazia-se naquela dança narcísica que a paixão também sabe ser. Sabia, no entanto, de um amor incondicional, sem preço, despojado e sagrado: o que alimentava em relação aos três filhos, nascidos de três paixões. Nenhum outro a obrigaria a qualquer sacrifício. Nenhum outro a dobraria à vontade de quem quer que fosse. Mas submetia-se voluntária àquela missão apaixonada: amar os filhos.
Dizia muitas vezes que desejava ter muitas vidas para poder regressar um dia e outro e fazer as viagens todas, amar sem reservas e voltar a morrer, finalmente em paz com o seu destino.

"Ne les oublions jamais"

Descubro sempre coisas novas de cada vez que estou em Paris. Há um ano atrás (re)descobri o Marais pela "voz" de Richard Zimler enquanto andava À procura de Sana e convenci-me mesmo que tinha encontrado o salão de chá de Helena.
Desta vez encontrei em várias fachadas de escolas primárias placas de mármore negro com a seguinte inscrição em letras douradas:

"À la mémoire des élèves de cette école déportés de 1942 a 1944 parce que nés juifs, victimes innocentes de la barbare nazie et du gouvernement de Vichy. Ils furent exterminés dans les camps de la mort. Plus de 700 de ces enfants vivaient dans le 18 éme" (esta encontra-se na Rue du Mont -Cenis, mas existem espalhadas por outras escolas de outros bairros).

Quando vi a primeira pensei "como é que não a vi antes?" Na segunda atentei na data de colocação: 2005. Aí percebi, ou julguei perceber, que as placas teriam sido colocadas como resposta à vaga negacionista que nos chegou com mais visibilidade por essa altura.

Lembrei-me então da exemplar história de Boris Cyrulnik já aqui citada e também fiquei a pensar n' O porteiro da noite de Liliana Cavani recentemente (re)visto no canal Arte.

Colaboracionismo, negacionismo, síndroma de Estocolmo, apagamento da memória, resiliências, esquecimento para não sofrer e afinal sofrer ainda mais porque não nos tornámos imunes pelo esquecimento. Veja-se Gaza outra vez, veja-se Darfour, os exemplos desfilam à nossa frente, sem detença. Imparáveis. Guerras, genocídios e massacres. São palavras que nos queimam a garganta, nos abrasam os olhos e nos põem a consciência em sobressalto.

É urgente um fim. Serão benvindas as ajudas dos guarda-rios...

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Guarda-rios e estuários (VI)


A tristeza começou nesse dia em que os homens Almar deixaram de ser Guarda-rios e começaram a morrer de uma doença sem nome. Ficámos sem terra embora a nossa terra fosse um lugar junto da água. Mas sobraram os panos, os panos das mulheres Almar. E com eles elas inventaram outra vez a vida. Levaram-nos para as feiras como sempre tinham feito mas agora com mais flores, mais peixes, mais luas...e eles eram cortinados, tapetes, colchas e vendiam-se como únicos que eram, cada um diferente do outro.
E nós crianças, nós começamos a usar os tecidos para bonecos grandes de espantar a passarada. Nós as crianças Almar fazíamos nascer espantalhos. Os donos das quintas chamavam-nos porque por uns tostões, uma fruta, um caldo, um naco de pão com azeitonas, nós pintavámos a paisagem de cor e de poesia. Cresci criança Almar, pobre como pensava que só nós erámos, mas rendida à mudança da cor da terra em cada estação.
E ainda sonho com espantalhos, agora com espantalhos que dançam.
~CC~

outra estação

Diz-me que o Verão vai chegar.
Com este frio e chuva as andorinhas andam perdidas e eu perco-me com elas.
~CC~

domingo, 17 de junho de 2007

Sonhos meus em sonhos (de) outros



Os meus sonhos tornam-se realidade pelas mãos e pelos olhos deles. Hesito entre a alegria de saber que o fazem e a tristeza de ver os meus ainda longe de terem o corpo, o rosto de um castelo.

Ontem, a entrada no espaço, a entrada no tempo. As portas que se nos abriram não foram em vão, abriram janelas de par em par ao tempo que virá, o tempo que um dia chegará.

~CC~~

Foto captada em: http://www.oespacodotempo.pt/pt/media.php?idpan=media

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Ano Lectivo-pri(s)



Aprendi a conter as lágrimas. Hoje foram várias as vezes que elas me quiseram tomar. Resisti-lhes porque lhes procurei também muitas vezes dizer que temos que nos conter, que há uma arte na contenção que tem a ver com o adulto que já somos. Que não devemos, não podemos chorar à frente deles. As crianças, essas podem chorar à vontade. Nós choramos em casa, num lugarinho no quintal ou dentro do carro. Terminou hoje o nosso tempo juntos e já é a nostalgia que nasce em mim. Nem sei se gostava mesmo de os acompanhar ou se quero deixar que entre nós tudo fique assim.

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A partida foi cheia de medo por causa dos vampiros que de todo o lado espreitam mas já nem me lembro deles, derrotei-os pela procura activa e conseguida de os ignorar. No último domingo recuei, incapaz de passar por aquele trilho à beira da falésia, as vertigens dominam-me e detesto-me por isso. Mas hoje passei um trilho mais importante, muito mais importante.
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Amanhã nem sequer importa, só hoje, só este sabor suave da minha voz a dizer-lhes baixinho: vocês são vosso projecto mais importante, façam a vossa história todos os dias no espelho. E os nossos olhos lavados e contidos.

~CC~

Bom dia

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Guarda Rios e Estuários (V)


Um homem Almar. Depois deles terem morrido pouco a pouco de uma doença sem nome, procurei sempre encontrar um. Não, não é verdade. Às vezes esqueci-me eu própria da tribo a que pertenci e amei outros homens que em nada se assemelhavam ao que procurava. Ao que procurei sempre mesmo quando deixei de procurar. Os homens Almar estavam longe da perfeição dos princípes mas eram alegremente como as árvores. Davam sombra, alojavam pássaros, viajavam sem sair do mesmo lugar, morriam sem água, tinham braços compridos bons para o amor. Amar em Almar era procurar o melhor leito do rio para ver com o outro a limpidez da água. Havia também o crepúsculo, o modo de se esperar por ele, a melhor altura do dia para fazer amor e de quando em quando fazer nascer dele crianças. Eu vi o amor em Almar mas cresci já na sua perca, por dentro do seu fim. Mas tudo o que inscrevemos na nossa memória tece dentro de nós a teia da qual não poderemos sair.
~CC~

quarta-feira, 13 de junho de 2007

mais flores....

O teu dia


É teu dia, teu dia
teu coração uma casa pequenina e doce onde sentimos que cabemos.
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Parabéns ao nosso querido amigo João.
Toma uma fotografia (minha), toma um poema(escolhido pela Cristina e guardado até hoje)
Toma um abraço apertadinho (das duas, das duas...)
CristinaGS
~CC~
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Amigo

Mal nos conhecemos
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo»
é um sorriso
De boca em boca,
Um olhar bem limpo,
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece,
Um coração pronto a pulsar
Na nossa mão!
«Amigo»
(recordam-se, vocês aí,
Escrupulosos detritos?)
«Amigo» é o contrário de inimigo!
«Amigo» é o erro corrigido,
Não
o erro perseguido, explorado,
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo»
é a solidão derrotada!
«Amigo»
é uma grande tarefa,
Um trabalho sem fim,
Um espaço útil, um tempo fértil,
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

ALEXANDRE O'NEILL

terça-feira, 12 de junho de 2007

Marmota, mais do mesmo... ou talvez não!

Quando descobri o mundo dos blogues comecei a ler uns quantos com alguma regularidade. Confesso que perdi o rasto da maioria deles (muitos já devem ter acabado), mas há dois, ambos de autores brasileiros, que, com maior ou menor frequência, continuo a visitar.

Por ser o primeiro, e por sair de lá normalmente bem disposto, o Café Preto do Ricardo Moraes é um deles. O outro é do André de Oliveira ou Marmota para os amigos!

Quando o André resolveu criar um blogue chamou-lhe Marmota, mais do mesmo porque, segundo ele, o seu espaço na web não traria nada de novo... seria apenas mais um blogue. Bom, já alguém lhe deve ter dito isto, mas cá vai a minha opinião: Penso que não, penso que é muito diferente da maioria (e não penses tu que estou propor alguma parceria)... Normalmente podemos encontrar por lá textos bem escritos e com um sentido de humor muito apurado... O último não é excepção, não pude deixar de sorrir quando li a última frase...

certas frases





Há certas frases que nunca deviam acontecer. Há certas frases que são tão carregadas de tristeza que deviam morrer dentro da nossa boca antes de as dizermos. A última vez, por exemplo, estas palavras quando conjugadas com a partida de alguém que nos traz flores, estas palavras não deviam acontecer. Fiquei toda a tarde a pensar nelas, na tua partida, na minha partida, nas dores pequenas e infinitas que cortam a nossa vida em partes, em antes e depois de ti. Esta é a segunda partida feita de giz de escola (ou de TIC) que me traz esta dor. Toda a minha vida se alimentou de grandes partidas e nunca me vacinei, muito pelo contrário, cada vez me doem mais. Dizem que nos tornamos menos sensíveis pela vida fora, estou ainda à espera que me aconteça, à espera de não me arrepiar com cada olhar que encontra o meu.

~CC~


segunda-feira, 11 de junho de 2007

lugar(es) no mapa


Eu dantes pensava que só guardava na memória os lugares da minha felicidade, imaginava-os no mapa, na palma da minha mão, em luz dentro do olhar. Descobri depois, muitas vezes através dos pesadelos diurnos e nocturnos, que se guardam também os lugares da dor. E se hoje essa dor se sente como por ela tivesse passado uma linha de água num desenho, não deixa de trazer um pensamento que é ainda intenso. Aqui o pensamento é: aprendi que se pode fazer de conta que se está num lugar enquanto o nosso coração voa para um outro.
~CC~

domingo, 10 de junho de 2007

Boa semana....

A olhar no espelho menino



Um frasquinho de veneno. É lindo sim. Mas o veneno espalhou-se tanto que se diluiu e só de quando em quando ele vem à tona para nos espantar, para repelir, chega aos olhos para inundar as palavras mas logo parece morrer no convívio com as flores
A maior parte do tempo é um pote de barro. Um ponte para apanhar peixes, para levar água fresca, para guardar vinho maduro, para encher com areia e sementes, para roubar a luz da lua e deixá-la escorrer devagarinho nas noites mais escuras.
Um pote feito de mãos quentes e de argila escura. Um pote frágil e forte como são as coisas que nasceram no interior da terra, lá pelas aldeias onde a vinha é ainda plantada como se planta rainha.
~CC~

A visita do excelentíssimo senhor

Não percebemos bem porque escolheu a nossa casa para visitar. Somos educados e por isso o recebemos, o que lhe iríamos dizer. Nós também sabemos que o senhor é um homem importante e já que diz que nos honra com a sua presença, que lhe podemos dizer?! Pois, muita honra também a nossa. Mas sabe, vai custar-nos um pouco organizar-lhe o almoço que pediu, é que o dinheiro nunca sobra ao fim do mês. E as dificuldades são muitas com três crianças em idade escolar. Esta terra sabe o senhor é terra de gente sem muito dinheiro, embora ali para a Serra se possam encontrar grandes casas, mas essa gente não é de cá, não sabe o que é viver aqui junto ao rio.
O senhor diz que vem comemorar connosco, mas isso de comemorar é uma outra coisa, é quando nasce uma criança e isso nos faz felizes, é quando um dos filhos termina com êxito um ano escolar, é quando alguém que nos é chegado arranja um bom emprego, é quando nos conseguimos juntar todos para uma volta de barco e uma caldeirada. O senhor diz que é dia de Portugal mas para nós isso tanto faz sabe, dia de Portugal é mais quando Portugal conquista qualquer coisa de importante ou quando regressa alguém que andou lá por fora muitos anos ou quando nos sentimos de algum modo contentes connosco próprios.
Sabe, não o vamos receber mal, sempre se arranja o almoço e alguém para vir tocar umas músicas. Mas não leve a mal, não leve mesmo a mal se lhe disser que festa é outra coisa, festa é quando chega alguém que amamos, que sentimos que é um dos nossos, isso é outra alegria.
~CC~

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Palavras roubadas



Roubar as palavras certas a colar no dia para que o coração possa partir em busca do areal onde possa estar manso e sossegado e voltar só depois de ouvir bem cada onda em cada búzio.



"É como se de repente
a minha imagem mudasse
no cristal de uma nascente
e tudo o que eu sou voltasse
à pureza da semente"


Miguel Torga
~CC~

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Mais uma flor!

Amoras para os meus amigos

Amigos meus, tenho andado metida comigo, tenho passado pouco pelo nosso cantinho, talvez porque ande a concentrar energias para os dias que vêm. Há momentos assim nas nossas vidas, mas saber que existem ajuda-me a ver mais longe e a acreditar que, porque vão estar aí quando eu regressar, tudo vai correr bem. Hei-de contar-vos depois com alegrias renovadas. Festejem bem o dia do João, não deixem que as estrelas se apaguem e não comam o bolo todo.

E porque estamos no tempo delas e eu gosto tanto de saboreá-las, aqui as deixo convosco:

As Amoras
O meu país sabe a amoras bravas
no verão.
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente,
nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.
Eugénio de Andrade ("O Outro Nome da Terra")

Voltem bem e depressa


Boa viagem bruxinha e princípe.
Precisamos de voltar à praia lá mais a sul de que tanto gostaram e comer juntos um xarém (ou...)
Beijo
~CC~

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Ecos de 92

Encontrei isto no Pó e Ar do Jorge Alves. Não resisti e trouxe para aqui, onde ninguém lê... mas, neste caso, nem é preciso ler... basta fazer clique no play e ouvir!
Que será feito de Severn Suzuki e dos seus amigos que agora têm quase 30 anos? Espero que, em algum lugar, continuem a lutar porque a causa ainda não está ganha!

Deixar(me) ir



Deixava hoje tudo por este concurso.

Talvez ainda fale com eles.

Talvez ainda possa ser um dia feliz.

~CC~

terça-feira, 5 de junho de 2007

Filmes pelo Ambiente

Além de ser no Deserto, além de ser no mar, além de ser no rio, além de ser no meu bairro, é ainda Um FESTIVAL carbono Zero, quer dizer... amar a terra, amar o sentido único de ser terra. Há conjugações felizes.
~CC~

Guarda-rios e estuários (IV)



Um dia a tempestade veio e tomou todo o céu. Lembro-me bem como tudo ficou escuro num instante.


O chefe da comarca chamou o meu pai e depois disso nunca mais o vi. O meu pai não voltou mais, não teve coragem de nos vir dizer que os Guarda-rios tinham que levantar as tendas e partir para sempre, não eram mais necessários, nem aqui, nem em lado nenhum.

Os rios, dizia o chefe, correm sozinhos e não precisam que ninguém os guarde.


Depois disso uma doença foi tomando um a um os nossos homens. Só se salvaram os que eram meninos. E nós, nós as mulheres, embora nessa altura o meu tamanho e o meu coração fossem os de uma menina.

~CC~

Os limites das partilhas


Foto: JAD 2006, Neve na ESE
Gostaria eu que nos tivéssemos partilhado mais. Atando pontas de laços, com origens perdidas lá atrás em caminhos comummente percorridos em diferido. Construindo pontes e aproximando olhares, trocando palavras e músicas e títulos de livros e nomes de autores , como quem troca cromos. Foi bonito este passeio. De barco por rios e riachos, ou a pé por carreiros sob as árvores, ou de transportes públicos à escuta de vozes e acordes. Mas, nestas conversas, sempre me fez falta o som das vozes dos amigos. Gosto muito de vozes e de saber como elas soam quando soltam as palavras. Mas o café fechou e cada um foi à sua vida, como se tivéssemos mudado de cidade ou de país. Eles mudaram-se, nós continuamos por cá. Venham quando quiserem, terão sempre uma casa à vossa espera e um pão alentejano que é o melhor do mundo.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Despedida

Às vezes pensava na tua ausência mas imaginava sempre que andavas em viagem usando a casa de poesia amarela e que depois voltarias. Vejo agora que era um desejo mais profundo de partir. Momento a momento a cumplicidade foi grande, acho que por seres um homem cheio de ternura. Só me resta desejar que construas a casa na árvore e que sujes as tuas mãos de azul. E a primeira coisa de todas que te disse na primeira vez que te li e senti vontade imensa de comentar: não deixes de escrever!
~CC~

domingo, 3 de junho de 2007

Tanto tempo depois...


Fui visitar sonhos antigos.
A sala de aula com janela para o mar.
~CC~

Abrigo


Ser pétala. Poder abrigar-me assim dos ventos, da chuva, da tempestade.
~CC~

O pianista

Quando em 2002 vi o filme "O Pianista", de Roman Polanski, cheguei a casa e escrevi qualquer coisa, num outro blogue que ninguém lia... Não me lembro ao certo o que foi mas dizia, entre outras coisas, que um dia gostaria que o meu filho o visse também.
Esse dia foi ontem...

Há já alguns meses que o DVD esperava na estante e ontem, quando procurava alguma coisa para vermos, reparei que estava classificado para maiores de 12.

- Pode ser o pianista?
- Pode.
- É um pouco forte, já ouviste falar dele?
- Sim, é na segunda guerra mundial num gueto em Varsóvia.
- Ok, vamos a isso!

Mais uma vez fiquei chocado com a indiferença com que se pode lidar com a morte... Passar ao lado de cadáveres pode tornar-se rotina... Foi há tão pouco tempo... Não podemos esquecer e principalmente não podemos cometer os mesmos erros duas vezes!

O DVD voltou para a estante... ainda faltam 5 anos para que a irmã também o possa ver.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Guarda-rios e estuários (III)


Eu fui uma criança Almar.
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Passava horas a ver as formigas desenharem os seus carreiros e alimentava-as com as migalhas do meu pão com marmelada.
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Eu tinha as minhas mãos sempre sujas das tintas com que as mulheres tingiam os tecidos e com os restos delas pintava os troncos das árvores. Sonhava com uma floresta de árvores pintadas.
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Eu acreditava que todas as coisas tinham uma alma e podiam falar comigo e achava que o seu silêncio era apenas porque deveria saber esperar os seus sinais. E falava-lhes, eu falava-lhes sempre.
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Eu sabia que as bonecas de pano só se podiam casar uma vez por mês porque a festa delas era de folhas e flores e eu não devia arrancá-las com frequência.
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Eu era uma criança cheia de coisas que viviam na minha imensa solidão.
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Eu fui uma criança Almar feita de muitos momentos felizes e algumas dores. Eu tenho em mim todos os cheiros e sabores da minha infância Almar.
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Crianças


Como não a(s) amar?

Com as minha(s) criança(s) chego à lua.

Agradecer-lhes neste dia como em todos os outros a sua existência.

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E depois saber que toda a minha vida devia minuto a minuto fazer-se em sua defesa.

Todo o meu tempo eu devia dedicar à vida digna das crianças, não que tenha da infância a imagem da felicidade, crescer é às vezes doloroso. Mas falo de uma outra coisa, dos seus direitos essenciais, aqueles que lhes estão tantas vezes vedados. Esses, são esses.
~CC~


Second Life


Pois é, ontem fui espreitar o Second Life (sou eu, ou melhor o JVT Torok, ali de verde!).
Bem guiado (embora até no mundo virtual me consiga perder) por uma amiga virtual(?) que, por mais que uma vez teve que me teletrasportar para as bandas da Universidade de Aveiro (virtual claro).
Obrigado! E.... se o SL para Linux* se portar bem voltarei a aparecer!

*o programa de acesso ao SL para Linux está ainda em fase de testes