Ocorreu-me naquele início de Verão um chamamento pelo cheiro dos bebés. Queria simplesmente ter um a que pudesse chamar meu e olhar para ele como um fruto nascido dentro do amor. Esqueci-me que estava simplesmente a meio do mestrado e que planeava ir para Àfrica realizar a tese. Sempre pratiquei a racionalidade do rumo dos afectos, a única aliás em que acredito verdadeiramente. E mal tinha pensado, já tinha acontecido, isto porque as conversas com o nosso corpo resultam em algumas adivinhações celulares (de céu, de célula e de sol).
Depois queria ter a criança em casa por causa do cheiro dos hospitais, por eles se vestirem de branco como a morte e a maior parte nos tratar como crianças pequenas sem vontade nem inteligência. Impossível contornar, contudo, algumas imposições. Passei então para a batalha contra a cesariana, modo que se tornou vulgar de trazer crianças ao mundo. Mas como as coisas correram mal acabei mesmo na dita cuja sala de operações, ainda que teimosamente e vitoriosamente contra a tesoura. Resolveu-se rápido, era apenas um pequeno pormenor.
Quando nos colocam a criança que tanto desejámos, mesmo que silenciosa, em cima da nossa barriga, que fazemos? O toque é o caminho natural dos dedos e assim foi o dos meus, o minímo perante o abraço que queria dar inteiro em recepção e aconchego. Ainda recordo os gritos das enfermeiras: não pode, não pode tocar na criança! Os meus dedos, diziam, não estavam suficientemente limpos, podiam trazer com eles doenças várias.
Eu não sei o que eles e elas sabem e devem saber muitas coisas, isto porque também já os vi salvar muita gente. Mas eu sei outras coisas. E ontem, pela textura do colo, calor das mãos e olhos nos olhos de riso, acho que fiz bem em ser eu a primeira a tocá-la, depois de cortado o cordão umbilical.
Nós já vamos a caminho da cumplicidade.
~CC~
segunda-feira, 7 de maio de 2007
por dentro do amor
Publicada por CCF às 09:13
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3 comentários:
Da cumplicidade e da pertença. Eu sinto que pertenço às minhas, muito mais do que elas a mim.
Parece-me que fizeste muito bem. É bom ler esta ternura, na pausa para o café.
Ainda bem que existiu uma resposta ao chamamento... e foi muito melhor que a "encomenda"...
beijos cg
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