quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Guarda-rios e estuários (XIV)



Na escola aprendi como eram os outros, os que não eram Almar. No desenho branco no quadro preto a professora escreveu país e ensinou-nos que a bandeira e o hino eram os símbolos de um amor que não conseguia sentir. Amar um país era estranho para mim, pois tudo o que amava vivia dentro das pessoas com o sangue cor de água. Amava o que tinha voz, corpo e cheiro. Depois com a adolescência e a lenta agonia do povo Almar, via nessa bandeira a possibilidade de ser finalmente igual a toda a gente, de diluir com outra tinta a tatuagem que ainda emergia da minha pele, tinha ódio dessa marca que me fazia sentir como uma peça de gado.

Cresci confusa como é próprio de quem tem raízes múltiplas e perguntei-me vezes sem conta que pátria era a minha. E quando já tinha perdido a esperança em qualquer bandeira e desaprendido todos os hinos, a resposta chegou. A nossa Pátria é o lugar onde nos abraçam.


Não, não é um abraço qualquer. É um abraço sem medo do corpo do outro, um peito enconstado ao nosso, uma face a raspar a outra, o respirar do outro no nosso respirar. E desenvolvi uma fórmula química simples: quanto mais abraços, mais pátria.

~CC~

4 comentários:

João Torres disse...

Gosto da primeira frase... e das outras! Gosto da ideia de na escola se aprender também como são os outros. Gosto das tuas histórias e do modo como as contas e... gosto também de abraços, embora não pratique muito!

JJS disse...

Cada vez gosto mais dessa menina Almar e da forma como a contas. Também sei de um rapaz avesso a pátrias e doido por abraços em todo o mundo.
Às vezes acontece encontrar terras irmãs, não é? "Terras conterrâneas", dir-me-ás.

A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria: tenho mátria
E quero frátria
(Caetano Veloso)

Abraço
*jj*

Cristina Gomes da Silva disse...

Há uns anos, uma amiga ofereceu-me um livrinho pequenino com belas ilustrações chamado a "Terapia do abraço" :-) Abraços

CCF disse...

Tanta pátria nos vossos abraços :)
~CC~