domingo, 26 de agosto de 2007

O tempo

O tempo (es)corria devagar por detrás das persianas do quarto. Ao brilho dourado do sol sucedia-se a alvura de uma lua de Agosto, plena, prenhe de promessas. Setembro estava quase a chegar e, com ele, todos os reencontros possíveis.

Fazia muito tempo que tinham abandonado a terra quente. A sua África. Pensava nela às vezes a propósito de alguma notícia de jornal. Pensava. Mas sentir achava que nunca tinha deixado de a sentir. Quente, mansa, por debaixo da pele, à frente dos olhos quando conseguia fechá-los e descansar. Um descanso estranho, agitado, procurado nos momentos de angústia. Sabia da habilidade do tempo para esculpir memórias, rostos, paisagens e sabia que jamais poderia recuperar o passado deixado atrás dela. Talvez por ser um passado que tinha sido presente demasiado cedo. Assim como se fosse um passado prematuro. Mesmo assim, teimava em acordá-lo todas as noites. Amodorrado, encostado numa curva da memória, ele insistia em ficar onde estava, não se deixava agarrar. Tinha cumprido o seu papel, estava amarelecido, as rugas eram já indeléveis, como as de um velho pergaminho e sabia que, mesmo que ela quisesse muito, jamais poderia ser (re)escrito. Que o deixasse ficar quieto, cansado de guerras e viagens e afrontas feitas por um presente que o tinha traído, porque o futuro cantado em amanhãs impossíveis não tinha chegado.

Agora era chegado o momento de partir. Sobretudo de partir de si. A viagem estava próxima, a mala estava quase pronta, as despedidas quase todas feitas, tinha tomado todas as vacinas, todas, menos uma. Tinha calcorreado todas as farmácias, tinha consultado vários especialistas, tinha conversado com muitos amigos, mas sabia de certeza segura, daquela certeza com que são feitas todas as incertezas, que não estava preparada para o reencontro com as dolorosas marcas que o tempo tinha deixado na sua memória. A esperança era a única bagagem legítima e as lágrimas que antecipavam a emoção do reencontro a única forma de purificar o olhar.

3 comentários:

CCF disse...

Se eu pudesse, comentava...mas não posso!
Digo só: muito bonito.
~CC~

João Torres disse...

Lindo texto parceira!

Cristina Gomes da Silva disse...

Tenho dias, como em tudo na vida. Beijitos para os dois