segunda-feira, 18 de junho de 2007

Guarda-rios e estuários (VI)


A tristeza começou nesse dia em que os homens Almar deixaram de ser Guarda-rios e começaram a morrer de uma doença sem nome. Ficámos sem terra embora a nossa terra fosse um lugar junto da água. Mas sobraram os panos, os panos das mulheres Almar. E com eles elas inventaram outra vez a vida. Levaram-nos para as feiras como sempre tinham feito mas agora com mais flores, mais peixes, mais luas...e eles eram cortinados, tapetes, colchas e vendiam-se como únicos que eram, cada um diferente do outro.
E nós crianças, nós começamos a usar os tecidos para bonecos grandes de espantar a passarada. Nós as crianças Almar fazíamos nascer espantalhos. Os donos das quintas chamavam-nos porque por uns tostões, uma fruta, um caldo, um naco de pão com azeitonas, nós pintavámos a paisagem de cor e de poesia. Cresci criança Almar, pobre como pensava que só nós erámos, mas rendida à mudança da cor da terra em cada estação.
E ainda sonho com espantalhos, agora com espantalhos que dançam.
~CC~

3 comentários:

isabel mendes ferreira disse...

"tecido" com palavras de cristal. o texto.


abraço.

João Torres disse...

As doenças sem nome são as piores... Gosto destes teus textos.

Cristina Gomes da Silva disse...

...essas são as da alma