quarta-feira, 9 de maio de 2007

Uma vida


Não sei há quanto tempo vivo com este homem, um dia olhei para o lado e já não dormia sozinha.
Perdi também a conta aos Domingos em que saímos neste barco procurando outro sustento que não o que vem da terra. Vamos cedo e esperamos que a maré encha para sermos os primeiros a sair.

É Domingo eu sei, mas nós não sabemos o que é o trabalho e o que é o descanso porque este trabalho é o nosso descanso e é parte do nosso sustento.

E alguns dias destes anos e anos de Domingos têm tido tanto nevoeiro que me apetece reclinar devagar e deixar-me cair até ao fundo do mar, como quem se abandona num acidente, numa vertigem.

Mas também há outros Domingos de sol onde o estuário se alarga e cresce e eu ando nele como quem anda a viajar no mundo todo e chega até à lua.

E há dias de silêncio fundo onde o meu homem nada diz, fechado dentro dos seus olhos. Uma e outra hora a passar e ele sem nada dizer. Eu oiço então o rumor dos objectos a deslocarem-se dentro da minha casa.

E gosto da minha casa que é branca e tem uma pequena horta com salsa, coentros e hortelã. Também temos alfaces, espinafres e tomate. E há figos, muitos figos que quando maduros me enchem a casa de perfume.

Nos fins de tarde fico à soleira da porta e vejo o meu homem chegar. Tenho ultimamente sempre o mesmo pensamento: vamos morrer juntos. Não sei explicar como é que um pensamento triste me alegra, mas é que dentro dele sinto companhia, sinto que nunca estarei sozinha.

É assim a minha vida.
~CC~

3 comentários:

Gregório Salvaterra disse...

Há domingos assim com estórias dentro de barcos à espera que alguém as revele. Até o cheiro dos figos é de uma tão intensa ternura.
Abraço
JJ

Cristina Gomes da Silva disse...

Uma vida a cheirar a hortelã. Não deve ser mau. Morrer com companhia, também não.

Anónimo disse...

morrer junto do nosso homem, não é um pensamento muito triste.