sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O velho cilindro

Deep
Letras são Papéis

Olhou o velho cilindro abandonado e pressentiu nele a analogia perfeita com o que sentia. Os últimos dias tinham exercido sobre ele os efeitos de um cilindro sobre o asfalto. Comprimido nos afazeres e nas exigências quotidianos. Sim... sem dúvida, era assim que se sentia.
Como se não bastasse, acordara com um ouvido tapado, com um ligeiro zumbido semelhante ao de uma máquina. Uma otite, talvez, ou o princípio de uma constipação – quem sabe? Como se ouve uma música a cinquenta por cento? Como dispensar às conversas apenas metade da atenção? Não seria um handicap permanente. Contudo não deixava de incomodá-lo, ainda que o assaltassem os remorsos por um súbito acesso de exagerada autocomiseração.
Bem, talvez o cilindro estivesse só em repouso ou, estando parado, não fosse de todo imprestável. Afinal, ser-se velho não é sinónimo de ser-se inútil. Os cilindros velhos, como as pessoas com mais idade, hão-de ter as suas histórias para contar. Episódios do tempo em que as primeiras estradas asfaltadas aproximaram lugares e gentes, do tempo em que se julgava a inutilidade desses novos caminhos por serem ainda muitos os que faziam trilhos a pé ou montados em bestas. Histórias de vidas duras, de mãos calejadas, de homens que não tinham outro horizonte senão o final da estrada.
Seguiu pela velha estrada de asfalto, que teria a idade do cilindro, e percebeu que também ela tinha sido abandonada e entregue à sua sorte desde que nascera, a avaliar pelos buracos e pelas bermas em mau estado.
Afinal ouvir uma música pela metade não é o mesmo que ouvir apenas metade da música – pensou.

Ps. Aqui fica a prova de que o erro foi meu...
No entanto, foi um erro com frutos positivos...
Chegaram dois textos para um desafio que não o era!

Muito obrigada Deep.
Um abraço para a terra do Pai Natal

4 comentários:

JOSÉ RIBEIRO MARTO disse...

Feliz pensamento final num texto limpo e corrente, onde a exigência priva com a imaginação ....
Um gosto, esta leitura!
cordialmente______________ JrMarto

deep disse...

João, eu é que devo agradecer. Continuo a achar que o erro foi meu... bem, se quiseres dividi-lo, o peso da culpa sempre é menor!lol

José Marto, muito obrigada pelos elogios.

Um abraço para cada um.

Anónimo disse...

Olá!
Posso usar esta foto na minha aula de matemática? Assim os miúdos vêem a matemática (cilindro) na arte...

obrigada,

um excelente dia,

Daniela

João Torres disse...

Olá Daniela,

Claro que pode!

Um abraço
João