quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Guarda-rios e estuários (XVI)



A mulher dos olhos cor de violeta casou-se num dia sem chuva. E a nascente escolhida também não tinha água abundante. Para um povo tão ligado à água como era o meu povo Almar, não foi um bom presságio.

Quando ela passeava com o marido ao lado (sempre com ele) baixava os seus olhos belos e densos, enquanto ele olhava frontalmente todos os que com eles se cruzavam. Os olhos do homem, mesmo sendo Almar, não eram olhos tranquilos, estavam tão cheios de amor como de medo. Um dia, disse a um dos rapazes mais bonitos de Almar, que não se atrevesse a olhar para a mulher dele. Ela não mais saiu sozinha e ele vagueava sem poisar em lugar nenhum. Até que um dia ela não saiu mais da tenda, nunca mais a vimos. Se alguém perguntava por ela, ele dizia apenas: está bem.

Num lugar feito de laços tão fortes, a ausência deles era como uma nuvem negra a pairar no azul. Quando o homem deixou de aparecer até para guardar o curso do afluente que lhe estava destinado a pares com outro homem Almar, foram à procura dele dentro da tenda.

Ele estava deitado num canto e tossia, ao lado uma chavéna de chá de ervas. O resto da tenda estava vazio, não havia sombra da mulher dos olhos cor de violeta. Perguntaram-lhe por ela e ele disse apenas: foi vender os panos à feira, não tarda está de volta.

Compreendemos todos, até eu que era uma criança, que ela não mais voltaria. Não se deve prender os passáros, quanto mais uma mulher com olhos cor de violeta. Não se devem prender os ventos, quanto mais as pessoas.


~CC~

3 comentários:

João Torres disse...

Gente sábia essa gente de Almar!

Gregório Salvaterra disse...

Não se pode prender o que se ama quer livre. Mas também há quem tente até agarrar o vento...
"(...)For standin' in your heart,
Is where I want to be, and I long to be,
Ah, but I may as well, try and catch the wind."

Ouve aqui:
http://www.youtube.com/watch?v=nrhpITiH7Po

Beijos
*jj*

CCF disse...

Dentro de nós há tudo, há a morte e há a vida, há impulso de prisão e impulso de liberdade, mas escolhemos aquilo com que queremos construir o amor e também aprendemos com a(s) construção(ões) que vamos fazendo. Acho que aquele homem Almar não sabia amar a mulher dos olhos cor de violeta, embora a amasse :)
~CC~