quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Diário de mãe

Eu também (man)tenho um. Comecei a escrevê-lo há dez anos atrás. Foi nas suas páginas que registei as minhas perplexidades, os meus receios, as minhas angústias desde o primeiro momento em que soube que estava grávida. De esperança, certamente, mas também de muitas interrogações. Foi lá que, ao longo de todo este tempo, “desabafei” tristezas e contei alegrias, muitas estas últimas, por sinal. Tudo isto foi renovado há 4 anos quando nasceu a segunda. É lá que registo o que me não cabe no coração nem na cabeça e, às vezes, penso como irão elas ler todas estas palavras, escritas tendo-as como pretexto e sujeito. Também é lá que, através das palavras tento aligeirar-me da canseira, do esgotamento em alguns momentos, da energia quebrada por quotidianos arrevesados, esgotantes, extenuantes.

Desculpem, lembrei-me disto a propósito da notícia que ouvi esta manhã sobre os registos de Kate McCann no seu diário. A investigação não está ainda concluída, os indícios são obscuros, mas as notícias não param de ser “fabricadas”. Outra vez esta obsessão quase mórbida pelos males do mundo e a vontade quase indómita de se fazer justiça fora das suas sedes.

Retomando o diário: parece que ela diz que está cansada, que para além da sua vida profissional ainda tem de se ocupar de três crianças pequenas e que o marido ajuda pouco. Pois é, a “dupla jornada” existe mesmo e, ao que parece, também entre pessoas das ditas classes privilegiadas.

Ouvindo essas notícias ao longo do dia, dei comigo a pensar: “será que o facto de também registar fadiga, também ser mãe e profissional, também ter dias em que me apetece não ter ninguém que dependa de mim, também escrever tudo isto no meu diário de mãe, faz de mim uma potencial infanticida?”

Julgo que não, e só quem não tem filhos ou, tendo-os, não se ocupa deles é que não sofre/compreende esse cansaço de que aqui falo e de que fala Kate McCann. Afinal, o mesmo que tantas tantas mães, e alguns pais, vivem.



Em fundo escutei Tears Transforming do Tord Gustavsen Trio, The Ground, ECM, 2004.

2 comentários:

João Torres disse...

Com diário ou sem ele todo este caso me causa muita impressão pelo tempo de antena que tem conseguido e pela facilidade com que se julgam pessoas em praça pública. Um dos problemas, pelo menos hoje, está ultrapassado.... já passaram 30 min de jornal da noite e só se fala do caso do seleccionador nacional!

Será que um dia veremos, em 30 minutos, uma televisão dar todas as notícias importantes de um dia?

Unknown disse...

não tenho filhos, por opção; as mulheres da idade de Kate McCann também são do tempo em que já se podia escolher... mas é muito difícil pensarmos pelos outros;
quanto às «notícias importantes» de JvT... é a questão de quem decide o que é importante...