quinta-feira, 30 de agosto de 2007

O fogo

O meu lado mais ocidental é o apaixonado pela Grécia. O meu pai, mais apaixonado que eu, sobretudo pelas Deusas gregas, foi lá buscar o meu nome. Das heranças, sobram-nos sempre nem que seja vestígios, vertigens.

O nome Peloponeso, no Sudoeste da Grécia, é agora tão belo como trágico. Numa aldeia aí localizada e com apenas 100 habitantes, perante o avanço das chamas, a população, após uma reunião no largo da aldeia, decidiu fugir. Formaram uma coluna de carros para a fuga, mas numa bifurcação dividiram-se, uns seguiram a estrada que subia a serra e os outros a estrada que a descia. Os primeiros salvaram-se e os segundos encontraram a morte. Esta descrição que ouvi assim a frio num canal qualquer de TV é de uma violência impressionante. A escolha da morte ou da vida podia ter sido evitada se as pessoas dispusessem de um minímo de informação que lhes permitisse a todas subir a serra. Mas as pessoas não sabem, não há canais de comunicação entre os bombeiros, a protecção civil e as populações e se os há são deficientes. O desespero nesta altura toma conta de tudo e dos bombeiros também, eles parecem preparados para o fogo mas não para ajudar as populações.

Há cerca de 16/17 anos passei por uma situação semelhante em Portugal. Coordenava uma colónia de férias na região Centro que se situa(va) perto de uma vila, ficava a uns 3 kms. Tinha sob a minha responsabilidade de outros monitores cerca de 100 crianças e jovens entre os 7 e os 16 anos. Já tinha vivido alguns incêndios ali e não me assustava com muita facilidade até porque sabia que quer os bombeiros, quer a população estavam muito treinados naquele combate. Mas daquela vez o céu esteve dois dias feito chumbo e o fogo estava cada vez mais próximo, as chamas viam-se das nossas janelas e enquanto estiveram do lado do rio estive tranquila. Mas quando as vi da outra janela e estavam do lado da estrada, assustei-me a sério. Liguei para os bombeiros várias vezes e expliquei-lhe a situação em que estava. Os problemas respiratórios começavam a aparecer, para além do medo. A única resposta que obtive foi: se piorar, leve-os a todos para o largo da vila e aguarde lá. Ainda questionei como nos tirariam aos 100 do largo da vila, uma vez que a população se podia juntar nos seus carros particulares mas nós não. Indicaram-me a empresa de camionagem mais próxima. Não sabia como contratar um autocarro, dizendo-lhes que precisavámos deles se o fogo piorasse. A empresa respondeu que deslocava para lá o autocarro e pagavámos o serviço ao dia, sem cobrar à partida a despesa dos km. Durante dois dias tive lá o autocarro à porta para que as crianças e jovens pudessem dormir. A factura foi grande e a direcção da Associação teve alguma dificuldade em compreender.


Mas pior que isso é perceber hoje que se calhar também nós, na fuga, podíamos simplesmente escolher um caminho errado.
~CC~

3 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

É sempre trágico quando o destino se cumpre tragicamente. Como numa guerra, como num acidente, como numa catástrofe. E os Gregos há muito que perderam a graça dos deuses e das deusas...

João Torres disse...

Mulher de coragem!

j disse...

história(s) exemplar(es).