segunda-feira, 23 de julho de 2007

Apontamentos do tempo das uvas


1. Nestes últimos tempos tenho ocupado os meus dias a engavetar ideias passadas e a passar a limpo esboços projectados no futuro. Peças de puzzles que quero vir a construir. A minha (nossa) “casa virtual” não me tem visto muito. Entro e saio de mansinho, sem grande alarido. Busco um novo tempo para degustar prazeres antigos. Ler é um deles. Não falo das leituras obrigatórias que nos embrutecem com a sua esterilidade, falo das fecundas, das que nos lançam redes encantatórias, das que não nos dão son(h)os sossegados, das que nos fazem olhar a Lua (como agora estou a fazer, porque ela postou-se mesmo em frente da minha janela, acho que quer que a olhe, que a admire) e pensar se é mesmo verdade que nos faz amar e desamar de acordo com as suas forças. Para a minha mãe o meu mau humor sempre se deveu à Lua. Só não percebi a que fase.

Leio As mulheres do meu pai e gosto. Há um enredo de lugares e personagens feito, que me agrada. Estou quase no fim, mas voltei atrás para vos mostrar estes pedacinhos:

A verdade é uma velha senhora chata, estúpida e inconveniente. Além de surda, surda não como as portas, que as há bastante atentas, e olha que não são poucas, mas como Deus, a quem todos suplicam e que não ouve ninguém.
(…) A verdade é um recurso de quem não tem imaginação (…) há verdades pérfidas e mentiras benévolas. A vida não é cinzenta nem cor-de-rosa. Depende das lentes com que olhamos para elas
.” José Eduardo Agualusa, As mulheres do meu pai, D. Quixote, 2007, pp. 280-281

Sempre me ensinaram a dizer a verdade. Plana, sem artifícios. Cresci a interrogar os malefícios de algumas verdades e a sentir na pele os efeitos de as dizer. Mas, afinal, também cresci longe das mentiras que podem ser as fantasias, os artefactos, a imaginação. Interrogo hoje a educação que recebemos de verdades feitas para os outros.

2. A escola. Entrei nela aos seis anos e nunca mais de lá saí. Às vezes penso-me como um peixe num aquário que morreria se o pusessem num lago (triste, mas verdadeiro). Um universo permanente na sua força transformadora, mas que tem vindo a perder o encanto da Lua. O veredicto escolar esmaga os que não conseguem chegar à meta. Como se pudesse haver uma única! O fim do ano lectivo é sempre tempo de balanços e avaliações. É com algum desprazer que aqui chego. Acho que o valor de quem quer que seja não se esgota num número aposto numa pauta. Reflicto, então, sobre o que lhes fica, aos estudantes, ao fim de mais um ano, que pedaços de mim fizeram sentido para eles, que pedaços deles fizeram sentido para mim. O imenso prazer de partilhar o que julgo saber e de aprender o que eles tiverem para me ensinar, está muito além do que é visível. Como se fossem faróis apontados lá para longe. Um longe largo, feito dos caminhos possíveis. As suas vidas.

3. Comi hoje as primeiras uvas. Não me imagino a ter nascido fora d'A Minha estação preferida. Longe da força trazida pela terra na sua generosa dádiva estival. Não poderia ter nascido noutra, não teria sobrevivido.

Bom Verão a todos os que passarem por aqui e aos outros.

9 comentários:

CCF disse...

Se soubesses o que é bom (te) ler...escrevias mais!
~CC~

Cristina Gomes da Silva disse...

Mas tu lês, mesmo que eu não escreva

j disse...

Olá! Eu vou lendo, vou passando, entre cá e lá, numas férias em risco descontínuo. Bom Verão! :)

Cristina Gomes da Silva disse...

:) JOTA!! O que se segue agora é uma carta à moda antiga:
«Caro Jota,
já tinha saudades. Já pensava que tinhas emigrado, que te tinhas zangado, evaporado com o calor. Enfim, desaparecido.Os "amigos", mesmo que virtuais, não podem ser deixados assim, sem notícias. Mas foi bom trazeres novas, ainda por cima de férias. Sorte a tua, por aqui ainda não chegaram. Mas olha, como acho que já fazes parte desta "mesa" não resisto a contar-te o seguinte: esta noite a ~CC~ jantou cá em casa, coisas leves, entre amigos, gelado caseiro de baunilha e tudo, e falámos dos amigos da Ponte. "Por onde andariam, a fazer o quê", depois da brincadeira dos desktops até pensámos que podia ser uma outra (a segunda) forma de ir embora e tu aí, não importa onde nem como, a ouvir a conversa. Espero que estejas bem e que regresses com coisas para contar.
As voltas do correio são agora mais rápidas. Um grande abraço e bom resto de férias. CGS»

CCF disse...

Este gelado de baunilha é igual ao que eu comia em Almar, obrigado.
~CC~

j disse...

Ah, o famoso gelado caseiro de baunilha! :) Estivemos a jantar num raio de poucos kms, então. O meu começou num besugo e acabou num flan.

Cristina Gomes da Silva disse...

Da próxima vez convido-te :)

j disse...

:) Combinado. Pode ser que, embalada pela guloseima, a ~CC~ levante uma pontinha do véu sobre os tantos mistérios de Almar.

Anónimo disse...

Olá Jota, andei todo o dia pelo Alentejo (da minha alma) e só agora cheguei aqui. Muito me alegra que tenhas aceite o princípio do convite, mesmo sem "Café Central". Lá iremos, então, só não consigo ainda dizer para quando. De qualquer modo, deixa-nos lá no nosso email um email de contacto, por favor. A não ser que ainda possa ser o da Ponte. Quanto aos véus de Almar não sei que te diga, mas talvez ela saiba. A ver vamos. Um abraço :)