sábado, 23 de junho de 2007

Viagens

Já faz mais de vinte anos que aprendi como viajar para fora de mim sem sair do mesmo sítio. E se já tinha algum jeito, foi no chão da sala de ensaios do teatro da Comuna que o apurei. O teatro para mim nunca me apareceu como uma profissão, eu só gostava das viagens e pouco me dizia o espectáculo montado e muito menos a repetição dia a dia das mesmas cenas. Nunca quis ser actriz e por isso só hoje consigo saber porque, não o querendo ser, passei lá quase seis anos a andar para cá e para lá. Afinal estava a treinar o que me seria mais útil na vida: a arte da evasão, da viagem interior, de levar o meu pensamento até onde me apetece. É que nem sempre podemos estar onde queremos e a fazer o que desejamos, mas em pensamento sim.


Quando ainda tão pequena deixei para trás e sem o desejar e de um dia para o outro todo o sistema de referências que alimentava o meu saber sobre o mundo, já usava um truque para suportar a dor dos dias. Assim que a noite chegava e eu me podia deitar, fechava os olhos e transportava o meu corpo até ao quintal da minha casa em Luanda. Conseguia-o tanto e tantas vezes que acordava muitas vezes a desconhecer o lugar em que me encontrava, acordava como se estivesse no meu quarto lá. Na Comuna só apurei a minha arte da viagem porque o mestre era um grande viajante, usava a voz como nunca vi mais ninguém usar para nos levar até onde ele queria. Deve ser também por isso que a Viagem é uma das peças que nunca esqueci.


Hoje chegou o Verão e não posso sair de casa. Ela já nem é uma casa, é apenas um lugar atafulhado de obrigações encadernadas a argolas de várias cores. Como quem brinca às casinhas, tento organizar o caos por montes e depois dou a cada monte um título imaginativo, tudo para ver se me engano a mim própria, mas isso não me salva muito.

O que me salva mesmo é pensar que estou em Praga. Pensar num beijo em Praga. Isso sim, é uma viagem. Obrigado ao meu mestre.
~CC~

4 comentários:

Gregório Salvaterra disse...

Um beijo em Praga...
'Bora lá!
Podias fotografar esse caos colorido...
Ai um beijo em Praga!...
Um beijo
*jj*

CCF disse...

JJ, tu és tonto mesmo sem água Almar! :) Mas não há dúvida que tens bom gosto, isto é, por beijos em Praga... claro!
~CC~

Cristina Gomes da Silva disse...

Isto é o que se chama um texto cheio de piscadelas de olho...

Paideia disse...

Em Praga e em cima da ponte, até cair para o lado. A última vez que lá fui nem se podia atravessar a ponte, foi no ano das cheias. Frustração!!!
Mas um beijo, em Praga sobre a ponte Carlos é ponto assente: lá voltarei!