segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Cuidado, é frágil

Depressa percebi que a nossa ligação aos outros nos tornava de uma imensa fragilidade. Caminhei pelas filosofias orientais na busca da ausência de posse, achando que era ela que combinava com a palavra liberdade. Quando cheguei a este poema da Sophia tive em pleno a noção da tragédia que pode ser amar alguém pela eminência que pode ser perder esse alguém. Pensei que se não amasse podia ser realmente livre, realmente feliz, desejei-o do mesmo modo que desejei não ter nada. E descobri que afinal isso também podia ser o vazio. Voltei ao princípio, vivo em risco.

Meditação do Duque de Gandia sobre a morte de Isabel de Portugal

Nunca mais
a tua face será pura limpa e viva
nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos tecer
E nunca mais darei ao tempo a minha vida

Nunca mais servirei senhor que possa morrer
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tornando a tua mão na sua mão

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre
Porque eu amei como se fossem eternos
a glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência
És um rosto fechado de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Sophia de Mello Breyner Andersen

2 comentários:

Cristina Gomes da Silva disse...

É de facto muito mais fácil viver sem "amarras", leves ou pesadas. Seja como for, o que seria de nós livres como o vento? O que seria de nós, sós? O que seria de nós, sós connosco próprios? Por mim, gostos de vos ter por perto. É que me dão outras visões de mim às quais não chego sózinha. Não tenho para mim uma visão multifacetada. É pobre a visão que temos de nós, por isso, me prefiro prisioneira (dos outros) mas mais rica (de mim).

João Torres disse...

Ai esses corações!

Quem será o malandro (ou felizardo) que te põe em risco...

No entanto foi Gabriel Garcia Marques que disse:

"Nenhuma pessoa merece as tuas lágrimas, e se houver quem as mereça, ela não te fará chorar"